segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Desmembrando a existência para tentar defini-la

Ao longo do tempo, vários teóricos discutiram o sentido da nossa existência. Desde Platão e seu Mito da Caverna até filmes de Hollywood como “Matrix” (no diálogo do primeiro filme entre Morfeu e o agente Smith), muitos tentaram definir razões pelas quais as pessoas possam viver. Mas, talvez, não seja possível definir a existência como um todo, uma massa indivisível a ser mensurada. Sendo um substantivo abstrato, a palavra “existência” carece de uma figurativização. Não podemos imaginar a existência sem ter que imaginar alguém ou alguma coisa existindo. Se não há como medi-la nem exemplificá-la, talvez seja melhor desmembrar a palavra para que se encontrem definições mais próximas da nossa vida. Retira-se a “existência” de seu palanque de superpotência alheia à lógica humana e traz-se para perto da vida quotidiana.
Por exemplo, podemos tentar definir a minha existência. Ou seja, qual o significado da vida de cada um? Somos construídos ao longo do tempo por experiências e por outras pessoas, vivenciamos datas e fatos que cabem somente na forma de uma vida. Um soldado que lutava pelo seu país na Primeira ou na Segunda Guerras Mundiais pode ter feito de sua existência uma luta perene pelo seu país, pela bandeira de sua nação. Diametralmente oposto, temos Gandhi, o líder indiano, que lutava pela não-violência. Ambos fizeram de suas vidas uma batalha sem trégua até o fim pelos seus ideais. São duas definições divergentes de existência. Para um mendigo que mora numa grande metrópole, como São Paulo, existir pode significar comer, beber, dormir e fumar. Não uma luta, nem uma trégua, mas viver a esmo, seguindo basicamente seus instintos.
Define-se também a existência na contemporaneidade. O homem moderno está longe de seus ancestrais. Não precisa mais matar animais na selva, depois de longa caçada, para obter alimento. Não precisa passar fome por dias a fio até chegar a colheita. O homem da Idade Antiga vivia com condições precárias de saúde e sabia que morreria, no mais tardar, aos trinta anos. O homem da Idade Média europeia vivia sob o medo constante do ataque de bárbaros. Hoje, temos carros, televisões, internet, mercados de ações, aviões, celulares, fotografias digitais. Será que nossa existência continua sendo a mesma? Talvez nossos objetivos sejam outros, já que sabemos que temos grande chance de viver muito, optamos por ter filhos mais tarde, ou não ter filhos, ou nem casar. O Homem existe cada vez menos no plano físico e passa para o plano metafísico. Somos as letras, a internet, as fotos, uma rede de dados que circula pelo mundo todo e representa quem nós somos.
E qual seria a definição de existência para quem ama? O amor cria uma condição diferente de vida. Já dizia Camões: “Transforma-se o amador na coisa amada.”. O ser que ama é o amor, tem em si a necessidade e a cura para seu próprio problema. Como os casais que sentem falta um do outro quando estão separados. Sofrem de saudades e a sua existência toma novo rumo. Ou quando um pai afirma que daria a vida pelos filhos. Assim, sua crença abandona seu corpo e passa a existir em outras partes da vida.
A existência também toma várias formas conforme vão passando as fases da vida. Para um bebê, o raiar do dia, o quedar da noite significa a descoberta de um universo completamente novo. Existir é descobrir. Para uma criança, a vida continua cheia de aventuras, sem qualquer limitação física, sendo o quotidiano uma eterna provação de seus limites. O jovem já vive em sintonia com o mundo ao seu redor. Teias sociais são construídas e a vida toma rumos muito maiores. O adulto, imerso como está na realidade, vive o extremo intelectual que seu corpo permite. O idoso vê seu mundo sendo contraído pela sua condição física, abrindo sua condição metafísica para que possa seguir em frente. Charles Chaplin afirmou que a vida está errada, que deveríamos primeiro morrer para depois nascer e voltarmos a ser jovens, como se o ciclo da existência deveria se tornar mais forte ao longo do tempo. Mas, talvez, a graça da vida esteja na sua constante precariedade, na luta pela sobrevivência, no júbilo incessante de se ter noção plena da existência. O medo da morte nos torna vivos.
A existência também depende de condições físicas. Um ótimo exemplo é Stephen Hawking, um dos maiores físicos da atualidade, que sofre de esclerose lateral amiotrófica, doença degenerativa que paralisa os músculos do corpo. Com certeza, esse brilhante homem não teria oportunidade para ser um atleta, ou mesmo para exercer profissões que dependessem de seu físico, como bombeiro, operário, médico cirurgião. Sua realidade foi moldada forçosamente pelo seu corpo. Hawking demonstra que a batalha da vida pode ser muito mais complexa do que pensamos e figura uma solução encontrada para seguir em frente com uma alma presa à sua prisão carnal debilitante.
As diversas religiões também nos abrem diferentes interpretações do mundo. (É impossível tentar descrever nesse pequeno texto grandes doutrinas de religiões milenares, então pequenos resumos, ainda que incompletos e com margem para interpretação, podem elucidar um pouco essa questão.) O Budismo fala em seis domínios da existência, todos sendo incompletos porque acabam em decadência e morte. A reencarnação se faz ao redor desses mundos, sendo a meta final evitar a reencarnação e, finalmente, atingir o Nirvana, ponto de existência plena. Tanto o Budismo e o Hinduísmo acreditam em reencarnação e no karma: o ciclo da vida, Samsara, é influenciado pelos atos das pessoas que geram diferentes karmas, ou seja, atos ruins efetuados nessa vida podem gerar um karma negativo e influenciar a próxima vida. Em ambas as religiões, é preciso sair da roda da Samsara para se atingir um estado maior. Já as religiões cristã e judaica pregam a noção de uma só existência sob o jugo de um deus forte, sendo que os católicos acreditam já ter vindo o filho de deus para a terra, Jesus Cristo. Para os católicos, há o inferno: local de eterno sofrimento destinado para aqueles que foram ruins durante a vida. Portanto, na existência de um católico, o mal deve ser evitado quase sempre para que a vida após a morte seja aproveitada no paraíso. Já os judeus, preocupam-se mais em definir uma doutrina para se seguir ao longo da vida, sem ter que rotular categoricamente a existência de céu e inferno. Um ponto que divide o budismo-hinduísmo do judaísmo-cristianismo é a reencarnação, que pode gerar diferentes interpretações sobre a importância de uma só existência. Um ponto que une essas quatro religiões é a negação de atos considerados ruins (o “pecado” dos católicos), sendo a busca de uma vida plena e harmoniosa uma meta comum.
Por fim, após analisar a existência de vários ângulos, qual seria o sentido dela para quem está prestes a morrer? Teríamos as famosas cascatas de imagens de tudo que nos aconteceu correndo perante nossos olhos? Sofreríamos de um medo irrefutável que nos devorasse a alegria enquanto sentiríamos gelar nosso corpo? Ou talvez o júbilo de atingir um estado maior de vida finalmente repousasse em nossos ombros? Essa é uma questão que fica aqui aberta. Para nós, meros mortais ainda nesse frenesi carnal, basta tentar definir o que nos é tangível e seguir com o ilustre quotidiano da existência.

31/01/2010

Um comentário:

  1. Caríssimo Caio,
    A vida não é tão complexa.
    Sincieramente,
    Ramones Del Pacheco Della Manchita Messi.

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