segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Exteriorização

Há um homem no ponto,
esperando pelo ônibus encostado na parede.
Porém, o ônibus nunca chega.
Impaciente, agora ele berra por um trem.

Porém, o trem nunca chega.
O homem é só fúria.
Num acesso bestial, cerra o punho e
o atravessa para dentro de sua garganta.

Abre a mão já dentro do peito e tateia pelo coração.
Ao encontrá-lo, puxa-o para fora.
As vísceras ganham liberdade, o chão é vermelho,
a calçada está estreita.

Ele sabe que ninguém jamais deve fazê-lo,
mesmo assim, o fez. A partir deste momento,
existem pouquíssimas coisas que podem pará-lo.
Despreocupado, segue adiante.

A carne mostra o que ele tão zelosamente guardou
toda a vida. Os olhos inchados choram sangue.
O coração deixa à mostra todas suas cicatrizes
enquanto bate melancolicamente.

Os pulmões negros crepitam a fumaça,
inspirando dor, fuligem, solidão e
expirando um ar nostálgico e demasiadamente
sombrio. A narina está pendente.

Os intestinos caíram, em parte, no chão e
agora são arrastados pela travessa ignota.
A cada metro andado, ficam mais puídos,
mais do caminho o lixo absorvem.

Os tendões repuxam-se, distendem, tremem,
num ciclo inadvertido e ininterrupto.
Ele anda num passo cambaleante, num passo de
homem sem rumo, de vida sem destino.

Os ossos alvos constatam a rigidez do
sistema mecânico que sustenta o mundo.
As costelas, agora abertas em forma de asas,
eram antes uma prisão do que uma proteção.

A língua oscila, desfalecida e esquecida
a um canto da boca.
A baba é de um material pútrido
cujo cheiro assemelha-se ao da depressão.

Os músculos retraem-se num frenesi descabido.
São grandes, são fortes, pois agora a larga
capa de gordura que antes os cobria
dependura-se na cintura.

Ele está feliz, muito feliz. Mas perdeu muito sangue.
Sabe que entrou por um caminho sem volta.
Tudo na vida tem um preço.
O ônibus chega enfim, mas ele já não pode mais embarcar.

26/06/08

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