quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O brasileiro que queria ir à Lua

E o nome do garoto era João.
Nascera numa família muito pobre
que morava num barraco perto de São Paulo,
ao pé da Rodovia dos Imigrantes.

Seu pai morrera quando ainda era muito novo,
atropelado por um caminhão desgovernado na Rodovia.
João não tinha irmãos e sua mãe não queria casar de novo,
pois ainda amava demais o marido falecido.

O pequeno tinha um sonho guardado com pudor:
ele queria ir à Lua.
Passava noites e noites deitado na grama
perto da sua casa, olhando para o céu.

Nascia com a Lua nova
lutava com a Lua crescente
reinava com a Lua cheia
chorava com a Lua minguante.

Nada tinha mais importância para ele
do que sua noiva de branco,
a esperá-lo, sorridente, nos confins do Universo.

Um dia, tomou coragem e disse à mãe:
“Quero ir pra Lua”.
Sua mãe sorriu resignadamente e lhe respondeu:
“João,
faça isso não.
Não escuta teu coração.
Vai trabalhar, ganhar teu pão;
é melhor voltar os teus olhos pra razão...”

João até que tentou esquecer a Lua,
mas não podia.
Ela estava sempre ali,
tão grande, tão redonda, tão linda...

Na escola, o professor dizia:

“Vejam que poder!
O homem, tão pequeno,
inventou a nave,
a força, o foguete,
jogou-se pro céu
e chegou na Lua!
Os americanos
investiram muito
chegaram primeiro.”

João teve raiva de si mesmo.
Por que nascera brasileiro?
Por que nascera pobre, num barraco aos pés da Rodovia dos Imigrantes?
Descobriu que nenhum brasileiro
jamais estivera na Lua.

O rapaz sentiu falta de seu pai.
Teve vontade de também morrer atropelado
por um caminhão desgovernado.

João chorou muito.

Ele não sabia o que fazer.
Quis bater na Lua, mas ela era inatingível.

Decidiu seguir com a vida.
Arranjou emprego como garçom.
Esqueceu-se de sua antiga noiva
e começou a sair com outras garotas.

E, por certo tempo,
ele foi feliz.

Mas bastou-lhe ver o corpo
da primeira mulher nua
para se lembrar da sua Lua.
O coração ardeu em chamas!
Ele teve ódio e, furioso,
largou a mulher na cama.

Era Lua cheia.

João foi para um morro bem alto,
próximo do barraco em que ainda vivia com sua mãe.
Louco, desregrado, com olhos vermelhos e marejados,
João gritou:

“Escuta aqui, Lua!
Agora eu te odeio!
Te amei toda vida,
mas eu fui largado.
Diz! Cadê você?
Conta a sua ausência!
Por que sofro tanto?
Não há quem aguente
sua pele distante
seu carinho longe.
Eterno silêncio
foi tudo que ouvi
esses anos todos
atrás de você.
Tu nunca me quis!
Eu vou me matar.
Desisto de tudo,
espero que entenda.”


Mas veio do céu um forte clarão.
A Lua disse: “não se mate, não.
Eu te amo, João. Esquece a razão.
Vem logo morar no meu coração."

Desceu do céu uma escada comprida
e o rapaz se esqueceu da triste vida.
Subiu rápido a escada infinita
deixando pra trás a cidade aflita.

Dizem que virou rei do Universo,
que vive feliz no infinito imerso
sem caminhão e sem homem perverso.

Hoje, de toda casa e toda rua,
sem esforço, é possível ver a Lua.
A João, toda nua e toda sua.

29/11/09

Esse poema não saiu perfeito no blog porque não consigo colocá-lo com a distribuição espacial das palavras como eu havia originalmente feito. Qualquer coisa, é só mandar um e-mail que eu mostro o arquivo original.
O Brasilerio que queria ir à Lua reúne várias noções e ideias que fui construindo ao longo do tempo, talvez mais para frente eu explique a concepção mais detalhadamente.

2 comentários:

  1. Você sabe que é difícil pra mim elogiar alguém né. Segundo o senhor, pra mim todo mundo é babaca.
    Mas esse eu gostei muito, de verdade. Depois eu converso direito com você sobre ele. Mas realmente é muito bom. E eu quero sim a versão no meu e-mail (atredezini@uol.com.br)
    E pra não dizer que não chinguei, larga mão de ser babaca e para de ter vergonha de falar para os outros que você escreve. Escreve e muito bem.

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