segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Editorial para a primeira edição da Revista Carcará da Academia de Letras do Largo São Francisco

O Carcará é filho do sertão nordestino, renascido da terra batida e do chão seco. Esse que nunca sobeja, passa voando baixo com a vista aguçada. Assusta o povo de olhos miúdos, tem mais coragem do que homem. Anda perto das casas com seu passo comedido de gavião. O voo não é perfeito. Não é deslumbrante, mas serve exatamente para sobreviver. O que bota medo no sertanejo não é a força selvagem do Carcará, mas é a personalidade que insiste em se manter sempre bruta, sempre pronta, sempre ávida por viver e nascer mais uma vez. Gera-se do medo, então, uma vontade de ser carcarado. Um desejo primitivo de ser também temido pelo povo, de viver num ódio intrínseco, numa frenética cadência de sobrevivência – e de renascimento. Desejamos pegar, matar e comer os prédios, o asfalto, os livros, o sertão sudestino inteiro na nossa própria ânsia de sermos também Carcarás, de sermos todos sertanejos. O pássaro voa por entre as Arcadas, explode em tinta e papel, pousando nas mãos do leitor. As linhas guardam-lhe o espírito forte. A transmutação do Carcará da Academia de Letras tem o intuito de presentear o Largo com um farol para a Literatura, para a Arte e para a liberdade de expressão. Cada texto é vinculado ao seu autor, cada opinião é individual. Mas o conjunto das opiniões individuais transforma-se no coletivo da defesa por um espaço de diálogo que não se obrigue a ser comedido, que não filie seus autores à imperatividade de qualquer diretriz ideológica que pudesse ter a revista. Desse modo, das cinzas do chão esturricado da nossa terra, nasce mais um par de asas para a criação e para a inspiração da nação franciscana.


Caio Mello

Setembro de 2010

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