quarta-feira, 11 de maio de 2011

Perpétuo

Ele estava sentado na sala de estar. A única porta estava aberta e deixava uma brisa leve passar. A corrente de ar fugia pela janela produzindo um sibilo doce. Levantou-se. Encarou o espelho, que refletia o oceano. A placa com o nome João escrito tremia em seu peito. Olhou pela janela. Milhões de prédios e mais prédios e até algumas casas. Saiu do quarto pela segunda porta.
Era uma escada em espiral. Estava no topo do prédio. O sol do meio-dia fazia-lhe franzir o cenho e quase fechar os olhos. Colocou seu óculos escuros e foi andando até seu carro. Deu a partida. O motor roncou suavemente. Seguiu reto e parou no farol vermelho. Olhou pela janela: árvores populavam a vista.
Continuou seguindo reto. Estava preocupado. Homens modernos deviam viver imersos em sua preocupação, era como uma condição existencial. Esperou o cobrador devolver-lhe o troco. O ônibus estava com um odor ruim. O ambiente estava abafado e o motorista cortava as ruas da cidade como um açogueiro cego cortaria a carne. O transporte estancou bruscamente. Ele quase caiu no chão. Desceu, ainda assustado.
Abriu a geladeira, procurando alguma coisa para beber. Achou um refrigerante aberto há algum tempo. Tomou seu conteúdo com vontade. Sentou-se na cadeira perto da mesa. Suas pernas doíam. Ficava pensando em como as coisas podiam estar um pouco melhores do que realmente eram. Mas, talvez, a felicidade da vida fosse aquilo mesmo... Uma constante busca, um caminho. A solução jamais seria perene.
Coçou os olhos. A tela do computador não parava de tremer. Tremia junto sua vista já cansada. Levantou-se e foi tomar um café. No meio do caminho, encontrou um amigo seu. Conversou distraidamente por menos que cinco minutos e seguiu pelo corredor, tentando desviar de qualquer novo possível encontro. Não gostava de conversar durante o trabalho. Talvez seria bom no começo, ou mesmo no fim, mas o meio exigia mais respeito. Precisava manter-se minimamente concentrado. Era o exigido pela labuta.
Voltou para sua mesa. Garfo, faca, prato. Pouca comida. Tudo bem, no verão ninguém tem muita fome mesmo. Pensou até em pedir uma pizza. Mas não era bom ficar comendo tanto no meio da semana. Lembrou que a taxa de juros talvez fosse aumentar. Ruim. Ele queria poder ter dinheiro guardado para não ter que se preocupar com a taxa de juros. Mas tinha. Terminou de comer, lavou o prato, secou o copo, engatou a ré e acelerou cuidadosamente.
Parou o carro do lado da entrada da loja. Abriu decididamente a porta. Procurou seu cômodo. Ele estava sentado na sala de estar. A única porta estava aberta e deixava uma brisa leve passar. A corrente de ar fugia pela janela produzindo um sibilo doce. Levantou-se. Encarou o espelho, que refletia o oceano. A placa com o nome João escrito tremia em seu peito. Olhou pela janela. Milhões de prédios e mais prédios e até algumas casas. Saiu do quarto pela segunda porta.

Caio Mello
11/05/2011

Um comentário:

  1. Belíssimo.
    me faz pensar na triste similaridade entre como minha memória funciona e o seu texto.
    Vida e vida pós-moderna. Espero que em mim seja só culpa da vida. Desconexo.
    Mas resolvi assumir e até brincar com a falta de cronologia, pode ser a porta que leva pra longe da concretude cronológica da narrativa, ou da vida.
    Beijos,
    Laura Cantal

    ResponderExcluir