segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O demônio e o homem



Há o demônio
e há o homem.
Ambos.

Qual será? A quem serão?
Unidos pelo desgosto, no lodo da existência.
O monstro disforme, fissura do caos.

Um avesso da carne, o outro a carne do avesso.
Inverso do mundo, desrespeito da glória.

A vida precária, pré-existencial
e pós-experimentada.
Os lapsos imprestáveis das almas perdidas.

O demônio. Ele existe.
É visível presença no mundo real. Intragável. Indiscutível.
Mas o homem não. Ele é fraco, contestável.

Este homem é uma grande mentira.
Não passa de meros boatos, dispersos pela boca do povo,
diluído pelos bueiros da cidade.
 E jamais visto.

O demônio é sujo por dentro, mas sua aparência externa é deslumbrante.
Monstro afável, que impõe respeito.
Seu corpo é perfeito, seu rosto milimetricamente construído.
Porém sua carne é de total podridão.
Sua alma... Chorume e enxofre.
Seu apetite voraz põe filhos ao mundo e depois alimenta-se deles.

O homem não. Ele é feio por fora.
Triste, carrancudo. Sem sabor.
Ao passo que, por dentro, é lindo.

Sua cor brilha para dentro do peito,
sua alma se multiplica em milhões de vertentes,
um bilhão de combinações imaginárias.

Juntos, formam uma colcha de tristes retalhos
que caminha pelas ruas frias.
Sem rumo, sem razão, sem nada.

Ambos não têm posses.
Não podem existir plenamente.
As condições antagônicas os proíbem.
O homem é exímio nadador, o demônio, corredor.
O homem é bom com palavras, o demônio, números.

E, na virada da moeda, sempre a vitória
é da face desfavorecida.
Em tudo, as aptidões restam ocultas.

Com isso, são tristes.
Um reflexo fatídico e ridículo de algo que já deveria ter abandonado o mundo.
A loucura desregrada de imensidões incompreensíveis.

Revirando tripas, o demônio passa fome.
Não come também o homem, não come.
Raquíticos imbecis sem o menor cometimento com o mundo.

Os remendos povoam os corpos,
as existências trançadas como o cabelo das meninas.
Rotos como os livros antigos,
podres como a comida sem validade.

O homem e o demônio se contradizem.
Sugam-se mutuamente, sem nunca obter vantagem.
Perdem apenas. Sempre. Muito.

Não amam. Não sabem amar.
Perderam-se em objetos abstratos e incompletos
em sonhos pueris e sem sentido.
A vida real... Preterida.

Presa no eterno abismo entre o homem e o demônio.
Nunca serão.
Jamais terão qualquer sentimento que possam sentir com os dedos,
ou cheirar com os olhos, ou ouvir com as costas.

Não terão nada. Erros incongruentes de um mundo
que insiste em parir objetos inanimados
dotados de um repetir cadenciado de gestos.

Eis, então, o homem. E o homem.

Caio Bio Mello
13/01/2014

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