terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Uma pá de terra



UMA PÁ DE TERRA

Rijos os membros. Os dentes ainda alvos. Dedos enegrecidos.

UMA PÁ DE TERRA

No bolso do paletó, ainda há o último maço de cigarros que nunca serão fumados.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Triste fim para aquele homem. Em vida, olhos sempre abertos.

UMA PÁ DE TERRA

Sem caixão. Sem amigos. Sem vontades. Sem reflexos. Sem dinheiro.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Nem mesmo um cão que lhe velasse a última valsa dos defuntos.

UMA PÁ DE TERRA

Eis o caminho inteiro. Em idas e voltas. Tudo um grande teatro.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Nem mesmo o comércio da rua em que morava fechou as portas no dia em que morreu.

UMA PÁ DE TERRA

A morte seria apenas a continuidade de seu estado catatônico.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

A barba por fazer agora não precisaria mais ser feita. Mediana inexatidão.

UMA PÁ DE TERRA

Seu último desejo foi para ser enterrado com garrafas de uísque, para matar as saudades.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

O besouro coveiro pretensioso, ali por perto, feliz com um enorme parque de diversões.

UMA PÁ DE TERRA

Nada de léxicos, alfarrábios, trompetes, canhões, lágrimas ou sermões. A morte.

UMA PÁ DE TERRA
UMA PÁ DE TERRA

Já quase não se vê o corpo de tanta terra.

UMA PÁ DE TERRA

Do pó de suas narinas para o pó da terra.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Os olhos vermelhos nunca mais pousarão vista no mundo.

UMA PÁ DE TERRA

Um dedo flutua por cima da terra.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Uma pequena pausa para nivelar o piso.

UMA PÁ DE TERRA

A terra que se cava nunca é suficiente para tapar o mesmo buraco.

UMA PÁ DE TERRA

UMA PÁ DE TERRA

Morto.

UMA PÁ DE TERRA

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UMA PÁ DE TERRA

Caio Bio Mello
21/01/2014

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