segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

As rosas da noite

Eis o meu jardim de rosas negras.
Elas vivem no descampado sombrio atrás de minha casa.
Brotam selvagens numa sequência desordenada
(nunca tive coragem de organizá-las).

Cada novo botão que floresce
é o umbigo do mundo.
                                   Um reprincípio
            ao nascer assim já deserta.

Nascem solitárias
nunca precisaram
qualquer minha ajuda,
a brotar do chão
tal qual espontânea
geração da terra.

Elas crescem por si, desenvolvem-se sem aviso
nem trégua nem previsão.
Multiplicam-se galopantes.

Eu as alimento com minha carne, com meu sangue.
Quanto mais tecido, mais escurecem.
Em dias de desvario, creio ter visto veias pulsantes
em uma pétala robusta.
                                                           Posso ouvir sua pulsação...
Mas não.
                        É irreal.

Sei que todas estão em estado catatônico,
naquele derradeiro salto antes do fim.
Talvez isso que mais me incomode.
Estão todas quase mortas, mas vivem assustadoramente.
Elas proliferam. Moribundas.
Acho que nunca cheguei a ver uma sequer
murchar e perder as pétalas.

[Estrela solitária
no caminhar do Universo
brilha seus raios sem planeta
que a circunde
gasta sua luz
nos confins da imensidão do vácuo]

Ao abrirem suas pétalas,
desabrocham
pérolas da cor da imensidão
do céu da Pauliceia (desestrelado).

E, contente, coleciono minhas pedras preciosas
num quarto empoeirado de minha casa,
na esperança de, um dia (quem sabe?)
minhas rosas conversarem comigo – de novo.

Caio Bio Mello
14/12/2015

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Das razões pelas quais achamos que somos fracos

A maior prisão que existe é a da alma.
Vala comum dos medos.
As nossas ideias são nossos próprios muros.

Nossa carne é costurada por uma teia de angústias
que urdimos diuturnamente.
Nosso próprio preconceito nos limita.
Dizem-nos que não podemos fazê-lo
e, com o tempo, também passamos a acreditar.

Sequer percebemos que, para mudar,
o primeiro espaço a ser vencido é o individual.
É preciso definir quem somos
para depois pensarmos quem queremos ser.

Nossa personalidade é acorrentada
pelos piores pesadelos.
Impedimo-nos de sermos plenamente satisfeitos
porque a mediocridade é cômoda.

A faceta sombria da dúvida nos perturba
e, então, permanecemos na luz da incompletude.
Jamais podemos nos deixarmos no marasmo da mesmice,
na repetição de ideias – na morte da irreverência.

Somos eternamente inacabados
e o benefício do caos nos completa.
Os maiores sonhos nasceram para não ter fim.

A miríade do mundo.
As pétalas das rosas que caem ao chão
na lascívia helicoidal.

O medo é deglutível.
A verdadeira serpente é tentarmos sufocar as ideias
e adormecermos por uma era.
O ofídio rasteja por cima do corpo e, presto,
enlaça o torso.

Em instantes (o fluir do anos),
o monstro envolve ao ponto de impedir os movimentos.
As costelas se rompem.
Sem mais nem menos, sem prelúdio nem epitáfio,
uma única abocanhada devora as estrelas,
que perdem o brilho
no mar do suco gástrico.

Caio Bio Mello

07/12/2015

domingo, 6 de dezembro de 2015

A colecionadora

Ela colecionava seus canudos
atrás da casa num vermelho armário.
Guardados, eram favas de apiário,
na lógica de tal sonho absurdo.

Enorme coleção sem conteúdo
que ela admirava: lindo cenário!
Encontrava-os em qualquer horário
sem nada com eles fazer, contudo.

Passou anos (décadas) nessa busca
para encher o armário até o seu teto.
Já velha, era feliz da coleção.

Mas morreu sem ver um filho, nem neto,
e, moribunda, teve a conclusão
de que a vida por tão pouco se ofusca.

Caio Bio Mello
06/12/2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Entrementes

O som abafado das ruas
chama a atenção do lixo,
que loda em sequência concatenal
a caminho do expurgo.

Caio Bio Mello

04/12/2015

Guelra

O menino de noventa
que possuía sonhos tão tão profundos
aprofundou-se em tudo,
mas esqueceu o mundo e, quando se deu conta,
estava no último oceano da última curva do Universo
debaixo de quilômetros e quilômetros de pura água.

De lá, podia ver curtos raios de luz esgueirando-se
para poder chegar em qualquer curva
de correnteza que se permitisse.

Com essa pouca luz e infinitos sentimentos
(que não faziam sentido algum),
ele percebeu que não veria mais a superfície
em toda sua vida.

De mãos atadas, enfim,
nadou como um peixe
e guelreou assim que possível.

Três meses atrás, ele foi fisgado por um anzol grosso
e hoje, congelado, está em exposição no Oceanário de Lisboa.

Caio Bio Mello

04/12/2015

Perdoa-me

Perdoa-me.
Minha alma é, de fato,
rasgada em mil pedaços.

Eu sou uma colcha de retalhos,
a união de infinitos desencontros.
Não pertenço ao mundo como deveria.

Nem de perto é um sucesso.
Pura incompletude. Não poderia sequer me definir.

Não posso prometer-te que evoluirei.
Aquilo que jaz em mim é como erva daninha
que brota sem meu consentimento
e entumece em meu peito.

Por mais que eu me sufoque,
ainda que eu busque banir esse mal
que em mim há – eu perco.
Isso penetra em meus meandros,
comanda meus sentimentos
e dobra minha visão de mundo.

Eu jamais vencerei. Estou preso,
soterrado, nesta minha caixa de Pandora virada ao avesso.
Eu oscilo. Existo, coexisto e inexisto.

Sou uma pequenez. O parco sopro
de uma criança que passa frio e fome na cidade à noite.
Eu não poderia crescer, jamais.

O lince.

Sou um menino e, por trás de meus olhos míopes,
ainda guardo meus medos (do escuro, da solidão e do frio).
Amarraram-me ao crânio os espinhos da neve
e nem o rouco escarlate pôde inibir minha rajadez.

Meu coração, entre sístoles e diástoles,
nunca aprendeu a bater na cadência que a vida lhe impunha.
Entendes? Eu, um erro ambulante,
a perpetuidade de um deslocamento.

Eu sou poeta e não aprendi a amar.

Esse fraco impulso de vida, o adormecimento de meus braços
e o lépido engodo (a ironia do comodismo)
de pensar que progredi.

Involuí.

Por isso, peço que me entendas.
Não são simples meus motivos,
há flores em meus olhos e não posso despistá-las.

Sou um escravo de mim mesmo.
O paradoxo da liberdade do social consumo,
mas a paninstrospecção como tudo que me resta.

Não te peço que concordes, nem que desdenhes.
Apenas... Simplesmente,
peço que perdoes.

Caio Bio Mello

04/12/2015