quinta-feira, 9 de junho de 2011

A política da arte

“E, mesmo que optássemos por um tal alargamento de sentido, (...) teríamos de continuar a descrevê-lo como uma função de diversão. É esta a função mais nobre que atribuímos ao teatro.”

A citação acima é de Bertold Brecht, um dos autores mais conhecidos pela politização da sua arte. No entanto, em seu texto Pequeno Organon para o Teatro, defende o entretenimento como o escopo principal do teatro. Essa aparente contrariedade é apenas um reflexo do quão complexa é a relação da arte com a política.
Tal relação vem sendo discutida ao longo da evolução da história do teatro, pondo em choque as diferentes escolas artísticas. Essa situação já era verificada no embate ideológico entre o Realismo e o Romantismo. O conflito está fundado na grande diferença de concepções de seus autores sobre para que servia o teatro.
Os realistas pregavam o teatro de tese, que usava a resolução intelectual de conflitos para moralizar o espectador, essa tida como a obrigação social do autor. Machado de Assis, em sua fase jovem, ilustra essa ideia, afirmando ter o teatro como uma escola de costumes, como uma iniciativa de moral e de civilização.
Já os românticos buscavam atingir o espectador pelo canal do sensível, colocando em cena o homem em seus momentos de crise, mas não tentando mostrar o que seria certo e errado. Não cabe a eles definir o que o homem deve ser, mas sim mostrar o que ele realmente é. Acreditavam que essa é uma reflexão muito mais profunda sobre a própria definição de humanidade. Refletir o mundo é uma posição política.
Essa dicotomia seguiu adiante com as escolas posteriores. De um lado, o pensamento de base romântica era visto como alienado e sem preocupações sociais. De outro, os realistas eram acusados de usar o palco como um panfleto político que pouco tinha de entretenimento.
O extremismo do debate nunca levou a um consenso. É nesse contexto que surge um autor com a capacidade de romper o antagonismo de ideias já estipulado: Brecht.
O autor foi sagaz o suficiente para colocar no palco uma visão política explícita sem negligenciar o caráter lúdico. Afinal, como ele mesmo disse: “Tornando-o um mercado abastecedor de moral, não o faremos ascender a um plano superior; muito pelo contrário, o teatro deve justamente se precaver nesse caso, para não se degradar, o que certamente sucederá se não transformar o elemento moral em algo agradável, ou, melhor, susceptível de causar prazer aos sentidos.”
O espectador interessa-se, a princípio, pela fábula, a narrativa épica no palco. É por meio dela que a tese política se deixa transpassar. Brecht só consegue perdurar no tempo porque, além de trazer os problemas imediatos de uma sociedade pós-guerra, ilumina a discussão sobre a essência do ser humano nessas condições. Essa é a chave para o universalismo na arte.
A arte que não versa expressamente sobre posicionamentos políticos também é política. O fato de o espectador entrar em comunhão com o que ocorre no palco já o transforma. Essa transformação o faz ter um novo olhar sobre a o ser humano e a sociedade.

Encaixotar a arte como política ou apolítica é limitá-la. Dizer que uma suposta arte política é imediatamente superior às demais é subestimar a capacidade que a arte tem de transformar por outros meios. É como dizer que as pessoas não conseguem apreender através de seus sentidos. É dizer que uma melodia não transforma o estado de espírito de seu ouvinte.


O teatro brasileiro perde um ícone

Há pouco mais de um mês, morreu aos 85 anos em São Paulo um dos grandes nomes do teatro: José Renato Pécora, idealizador e fundador do Teatro de Arena. É considerado como um divisor de águas no ramo por introduzir o nacionalismo nos palcos.
O Teatro de Arena representa uma ruptura do conceito teatral com a eliminação de adereços e cenários com o intuito de manter o foco nos problemas sociais retratados.
Com o objetivo de nivelar espectador e ator, Zé Renato colocava em prática um teatro no qual a plateia rodeava um palco central. Esse formato tira a visão elitista dessa arte, pois fomenta o debate de ideias no âmbito público. O diretor dedicou sua vida a montagens que faziam com que o espectador reconhecesse no palco quem os oprimia na sociedade, dando-lhes ferramentas para lutar contra essa opressão.
Ao colocar a realidade imediata em evidência, Zé Renato acaba usando o teatro como um meio para se atingir um objetivo prático. O que, em tempos de efervescência social, como o da iminência da ditadura militar, tem um papel histórico extremamente relevante. Mais adiante, durante a ditadura, a função social da arte torna-se indispensável, pois, uma vez censurados os meios de comunicação, cabia aos artistas driblarem o sistema com sua criatividade. Entretanto, essa escolha tem um grande ônus. Tratar os problemas de certa sociedade em um determinado momento histórico, dispensando o caráter lúdico, torna a universalidade das obras quase impraticável.
É indiscutível a grandiosidade desse diretor, além de sequer mencionarmos seu trabalho como ator. Seu legado inclui várias opções, como o recente Doze Homens e Uma Sentença, tendo em seu repertório de montagens várias peças de Brecht. Entretanto, ao montar Gianfrancesco Guarnieri, optou por não seguir os ensinamentos do alemão, arcando com os riscos de se tornar efêmero. Isso é uma das prováveis razões para o fim do Teatro de Arena.


Ana Carolina Capozzi
Caio Mello

07 de Junho de 2011

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