sábado, 21 de abril de 2012

A bailarina de ferro


Ela era uma bailarina de ferro.
Uma boneca muito delicada, com contornos formosos.
Seu vestido era lindo, bem desenhado.
Seus cabelos eram cacheados e reluziam na luz.

Seus dedos eram bem detalhados,
seus olhos de uma profundidade imensa.
Qualquer criança que lhe encontrasse com os olhos logo dizia
nossa, mãe, olha que linda! Eu quero uma dessas!
Até mesmo os meninos queriam a bailarina.

A pequena sabia rodopiar, sabia gesticular muito bem com as mãos.
Parecia a réplica de um anjo.
Sabia sorrir muito bem.
O seu poder era sua magnitude.

Mas ela tinha um problema.

A bailarina de ferro era muito pesada.
Ela olhava as bailarinas de verdade
saltarem pelo ar em piruetas mil
e se desmanchava em inveja.

Tentava pular todos os dias,
fazer um voo gracioso.
Mas, assim que tirava os pés do chão,
em milésimos de segundo já estava de volta.

Ela era esforçada, tentava passos diferentes.
Mas não havia bailarino que a carregasse
para a liberdade de uma dança.

Bela, porém estática.

Ela parecia contentar-se com isso, afinal,
estava sempre radiante em seu olhar.
Porém, por dentro, ela sentia-se morrer a cada minuto.
Sentia-se fraca, incompleta, escura.

Tinha certeza que nascera para ser bailarina,
mas, na vida real, sabia que jamais seria uma.
Era apenas um parecer dançarina
e viver metálica.

Ela olhava-se no espelho,
subindo os braços, escancarando as palmas,
fazendo voltas com suas curvas sensuais.
E todos a desejavam.

Mas o que lhe faltava era desejo próprio.
Ela já não se desejava mais, sabia ser fraca.
Via-se, dentro de si, como uma vida interrompida
já em sua própria concepção.

Afinal, quem seria o cruel artesão
que desenharia tão bela bailarina
sem lhe dar a chance de dançar?

O tempo foi passando...
Dias, meses, anos, décadas.
Muitas coisas passaram perante seus olhos.
Muito pereceu.

Um dia, que susto, uma ranhura!
Seu metal machucara-se...
Olhando mais de perto. Ela viu.
Um trecho de ferrugem cobria seu pulso.

Naquele dia, ela sentou-se e chorou por horas.
Mas conteve-se. A vida nasceu para ter fim.
Em pouco tempo, foi enferrujando.
Seu cabelo já não brilhava mais na luz.
Os detalhes do seu vestido desapareceram.

Seu sorriso esmoreceu.

Chegou um ponto em que não podia mais
sequer rodopiar. Estava fraca de uma das pernas
e o peso do metal quase lhe impedia de andar.

Um dia, a pequena foi dar uma volta.
Atravessou a rua, sentou-se discreta num banco.
Não queria incomodar ninguém.
Ficou apenas aguardando.

Na primeira chuva, seu corpo já sofreu.
Na segunda, ela sentiu-se fraca.
Na terceia, não conseguia sequer levantar.

No fim de uma tempestade,
viu-se um objeto caído num banco.
O que era?

Parecia ter sido alguma forma... Talvez humana.
Não se sabe ao certo.
O que sobrou foi um pedaço de metal.
Inerte. Calado. Denso. Gelado.

Feio.

Caio Mello
21/04/2012

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