Tu, que chegaste ao
mundo sem alarde,
precisas ouvir alguns
conselhos.
Algumas verdades
precisam ser ditas,
alguns erros precisam
ser evitados.
Antes de tudo,
comecemos por alguns
detalhes.
Coma quando tiveres
fome
beba quando tiveres
sede
durma quando tiveres
sono.
Andar não é tão
difícil quanto parece
(nem andar de
bicicleta é assim complexo).
Enfim, há um rol de
praticidades
que poderiam ser elencadas
nesse momento.
Como, por exemplo,
ficar no último vagão
esquerdo do metrô Brigadeiro
para conseguir chegar
no ponto exato para descer
em frente à escada no
metrô Clínicas.
À parte esses
detalhes,
partamos ao que
interessa.
Oh, pequeno,
guarda bem esses meus
versos.
Talvez mais do que
uma obrigação,
devem ter estas
palavras um tom de súplica.
A verdade: a vida é
um lugar difícil.
Se fosse mais fácil,
ninguém morria cedo.
Terás cicatrizes
diversas
ao longo de teu
peito, de teu coração e de tuas costas.
Terás o peso do mundo
em teus ombros
e a tristeza dos dias
em visitas sazonais.
Porém, não é o
momento que faz o homem.
O homem é feito de
carne e intelecto.
A carne vem da carne
e não se explica.
Mas o intelecto vem
da psique.
E esse mesmo
intelecto abala-se facilmente.
Ele sofre, passa
dores, agoniza dias e noites.
Mas deve seguir
adiante.
O que nos faz voltar
a ti, pequeno.
Não percas teus
sonhos.
Não deixes que a vida
dura e seca
devore-te a alma.
É a única lição que
darei.
Mais nada.
Porque, tristemente,
vamos perdendo a utopia ao longo da vida.
Tornamo-nos velhos,
estáveis, confortáveis.
E o conforto
transfoma-se em resignação.
Só peço a ti que não
percas, jamais,
o brilho que vejo
agora em teus olhos.
Não percas a luta, o
poder da batalha,
a força da vitória.
Com a tua força, com teu
raiar,
o trabalho está
sempre sem dormir.
Faz do mundo um lugar
melhor.
Traz para as velhas
paredes desta vida
uma verdade inegável
e os velhos morrerão
com teorias já ultrapassadas.
Foge.
Foge para um mundo
dentro do mundo
e faz nele o posto
da vida
o olho da lua
a tarde do sol
o retorno das
máquinas obsoletas pela evolução humana.
Caminha com teus
passos enormes
em pequenas pernas
ainda em construção.
Abala a estrutura
ainda a mais completa
e a mais complexa
para construir sobre
ela o que se chama de novo.
Não deixes a utopia
morrer.
Somos também feitos
dela,
apenas guardamo-na
num cofre cheio de segredos.
Então, não esqueças teu
sonho.
Não te esqueças do
que já nasce dentro de ti
e vai crenscendo
junto com o corpo jovem.
Prova ao mundo que a
tua pequeneza
é uma eternidade de corpo
delicado.
Eu sei, pequeno.
Estás doente, estás
aqui preso na UTI.
Estás grudado à
realidade por um corpo parco.
As dificuldades serão
tremendas.
O médico disse que
quase não há chances.
Mas do que sabem os
médicos?
Fica, por enquanto,
com os teus sonhos.
Enche teus pulmões
com ele,
respira com a
profundida que se exige de um novato.
Não deixes morrerem teus sonhos.
Podem ser eles
diversos.
Ganhar a Olimpíada.
Abrir um negócio.
Ser um cirurgião
respeitado.
E podem ser eles ainda
outros...
O sonho de levantar
da cama da UTI e continuar vivendo.
Então,
lembra-te para sempre
dos sonhos que chegam.
Porque a vida, que
dura ela um dia, um mês ou cento e dez anos,
é feita pelos sonhos
e eles não podem ser
medidos com o tempo.
Mas só com o coração.
Caio Mello
02/04/2012
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