O homem-cão.
Tal qual cachorro do mato,
sempre na gangorra da vida.
Nessa ideia de comunicar sem dizer,
latindo suas vontades
e lambendo os seus desejos.
O homem-cão.
Existência repentina entre um dever e
outro
de quem corre atrás de bolas
arremessadas a esmo por seu dono.
O sinônimo de posse. Pertencimento.
O fim do repente, término das surpresas.
Raia o dia, comida. Gira em círculos.
Corre, corre, corre. Não diz nada.
Ao fim do dia, o retorno para a casinha.
Sem contestar. Quando faz tudo o que
querem,
o homem-cão recebe um osso.
Que presente! A tripa antiga de algo que
já teve vida.
O bicho rói o seu próprio conteúdo,
sem nunca rememorar aquilo que deveria
ter sido.
Põe a língua para fora, num arfar inquieto.
Também a
cadela-maria. Metódica.
De rabo empinado e pelos macios.
Nesse vai-e-vém na porta de casa,
ali perto do jardim.
O homem-cão não tem pudores.
Faz suas vergonhas todas nas ruas.
Mas ninguém se importa.
Os donos catam as fezes em pequenos
sacos plásticos.
Muito bem, homem-cãozinho,
muito bem!
O homem-cão, quando em casa,
sabe alegremente mijar no jardim.
No máximo, ele mija no jornal.
E o dono lhe presenteia com biscoitinhos
quando o serviço é bem feito.
Triste do
homem-cão...
Ele é tão fiel!
Chora de saudades quando o dono sai de
casa.
Mas o próprio amor do bicho também é condicionado.
Ele ama mais quem lhe dá comida.
Alimentando-o direito, tem-se o seu
amor.
Uma simples troca de vontades.
O bicho também não fica muito contente
com as roupas que deve usar.
Uma casaco muito feio que incomoda o
corpo.
Mas o que fazer? Os donos assim o
pedem...
E todos os
homens-cães andam com a mesma roupa.
Todos eles com aquilo apertado no
pescoço...
Sim, enrolado por cima da gola,
espremendo a jugular,
há uma coleira. Forte.
Quanto mais arisco é o animal, mais
forte deve ser a coleira.
O dono prende o
homem-cão. Arrasta-o para coisas muito chatas.
As coisas mais chatas do mundo. Mas o
bicho não sabe falar.
Nunca lhe ensinaram palavra alguma.
Nunca lhe deram ouvidos para ver o que
diz.
E os homens-cães
são claramente bestas!
Animais incontroláveis que
repentinamente
podem causar inúmeros problemas.
Desde objetos quebrados em casa a
acidentes na rua.
Os donos têm medo, claro. É preciso
respeitar os bichos.
Eles possuem dentes afiados e mandíbulas
possantes.
Poderiam esmagar o dono a qualquer momento.
Então, é melhor fazer com que amem.
Amando, não sofrem. Não sofrendo, não
pensam.
Assim é melhor. É mais positivo que
fiquem bem quietinhos.
Mudos, para dizer a verdade. Assim, vão
fazer o que lhes é dito,
vão obedecer . E nunca vão contestar o
seu dono.
Caio Bio Mello
26/09/2013