quinta-feira, 2 de maio de 2013

Contemporaneirismo



O que aconteceu com a carne, o sangue e a terra?
Nossos desejos, plastificados.
Nossas ruas, asfaltadas.
Nossos amores, metódicos.

Ignoramos o caos,
acreditando que podemos superá-lo.
Temos a certeza da ciência ,
mas permanecemos nus.

O que aconteceu com o convívio?
As mãos cada vez mais distantes,
o roubo da nossa juventude.

E continuamos presos em labirintos poliméricos,
apavorados demais para pisar na rua.
E o ladrão? E o cão do vizinho?
E as doenças? A falta de proteção?

O sexo sintético com putas virtuais.
Sorrisos genéricos e pessoas solitárias.
Os cacos do caos do vidro.

Os sonhos se generalizam, se padronizam.
São vendidos em pequenos potes,
ao lado de biscoitos com sabor abstrato de chocolate.
Tudo por noventa e nove centavos, parceláveis em doze vezes.

Nos deterioramos. O nosso prazo de validade,
estampado em nosso peito, esgota-se em poucos meses.
Depois, somos mantidos por conservantes.

Filas e sequências para esclarecimentos
e linhas de produção em massa com vícios redibitórios.
Mas os viciados somos nós.
Perfeccionistas ao extremo.

Onde foi parar o deslumbramento? O lirismo?
A alegria com a simplicidade da vida.
O voo não nos maravilha,
o sonho já não possui nutrientes.

Nossos grãos são catalogados.
Nossas raízes, hidropônicas.
Os tomates custam caro.
Frutos partenocárpicos.
A vida infecunda.

A obrigação da produção em quantindade versus tempo.
Falta de cuidado.

Onde estão as rosas e por que são vendidas em faróis?
Será que crescem nas faixas de pedestre?
Já vêm organizadas por tamanho,
cortadas e sem espinhos. Venceram o ódio? O tédio? O nojo?

E toda rosa tem seus espinhos.

O eu-número de série.
Três dois nove dois cinco meia quatro nove zero dígito trinta e dois.
Setenta quilos, vinte e oito anos, dois meses, uma semana e três horas.
Curriculum vitae parco. Muitas vivências e poucas publicações.

O homem-parecer. Numerações ignotas.
A vida como meio de transporte.
Milhões de olhares e nenhum reconhecimento.

Só mais um rosto perdido na avenida.
De noite, medo de balas. De dia, balas para conter o medo.
De madrugada, balas ingeridas com um copo de água. (e Pedro?)

A energia das hidrelétricas pós-térmicas e anti-esvaziamento.
A inundação do rio podre. Animais mortos bóiam na água.
Falta de futuro, aumentos dos juros, déficit constante de atenção,
instruído a tomar calmantes todo dia de manhã. Cuidado com os rins.

O que tens é raro e pouco. O tratamento custa caro e muito.
Podes morrer de tensão ou de inanição, por mim é indiferente.

E, por fim, a lista. Derradeira lista, última numeração.
O obituária num jornal de quinta ditribuído apenas no bairro.
Mas e o que aconteceu com a carne, o sangue e a terra?

Caio Mello
02/05/2013

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