Vê, Caio, este é o teu
cadáver.
Chega mais perto.
Olha a pele alva,
emudecida pela
eternidade.
Conheces bem o jantar
dos insetos.
Lembras de cada vinco,
das camadas de pele.
Não, isso não é mais
teu.
Agora, voltará à
terra, de onde nasceu.
Não quero saber onde
andarás,
para onde vais depois
daqui.
Quero que observes teu
corpo defunto.
Cadavérico. Em seu princípio
de nada.
Vês, Caio? Vês a
profundidade da tua própria morte?
Observa que, por fora,
ainda pareces inteiro.
A aparência forte,
jovial. A pureza.
Mas por dentro... Está
putrefeito.
Tu foste podre em
vida.
Esse teu conteúdo de
ser, de não dizer, de não fazer.
Tu morreste em vida
para saborear a morte.
Não deste valor ao que
o mundo te concedeu.
Tua soberba passou dos
limites.
Olha! Sim! Olha para
teu cadáver!
Agora consegues
enxergar a imensidão da falta de sentido.
O âmago inefável do
tempo.
Sentes a frieza da
carne?
Teu corpo deixará de
existir. Tuas ideias deixarão de existir.
Tuas palavras não
sobreviverão ao cadenciar dos anos.
As traças devorarão os
sonhos que levaste anos para montar.
Ironia das ironias...
Terás todo o tempo do mundo
para assistir o
desfazimento de si mesmo.
Quem és hoje, Caio?
Quem deverias ter sido?
Só, num mundo de
loucos e desvalidos.
Um naco de nada
largado ao esquecimento.
Preciso lembrar-te de
tua vida.
Antes pulsavam teus
nervos... Sentias o vento.
Agora não sentes mais
nada.
Não tiveste velório.
Não tiveste lágrimas.
Não tiveste saudades.
Não tiveste conquistas.
Tens a lápide.
Ela somente.
Pedra resoluta na
beira do berço.
Então, me explica,
Caio.
Arranquei-te o corpo.
Tirei-te os nervos.
Sequei-te as lágrimas.
Apaguei teus vestígios...
Neste exato momento,
encaro teu cadáver enrijecido.
Esfacelei tua vida,
cortei-a em cubos. Queimei teus cadernos.
Obliterei teus versos.
E mesmo assim... Há
algo em ti que não posso matar.
Algo denso, profundo,
infinitesimal.
Tu estás nos pequenos
detalhes inalcançáveis e indizíveis.
Então... Se estás
totalmente morto diante de mim,
como estás ainda
falando comigo?
Tu morres. E, ainda
assim, continuas vivo.
Caio Mello
02/05/2013
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