quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ode ao meu cadáver



Vê, Caio, este é o teu cadáver.
Chega mais perto.
Olha a pele alva,
emudecida pela eternidade.

Conheces bem o jantar dos insetos.
Lembras de cada vinco,
das camadas de pele.

Não, isso não é mais teu.
Agora, voltará à terra, de onde nasceu.
Não quero saber onde andarás,
para onde vais depois daqui.

Quero que observes teu corpo defunto.
Cadavérico. Em seu princípio de nada.
Vês, Caio? Vês a profundidade da tua própria morte?

Observa que, por fora, ainda pareces inteiro.
A aparência forte, jovial. A pureza.
Mas por dentro... Está putrefeito.
Tu foste podre em vida.

Esse teu conteúdo de ser, de não dizer, de não fazer.
Tu morreste em vida para saborear a morte.
Não deste valor ao que o mundo te concedeu.
Tua soberba passou dos limites.

Olha! Sim! Olha para teu cadáver!
Agora consegues enxergar a imensidão da falta de sentido.
O âmago inefável do tempo.
Sentes a frieza da carne?

Teu corpo deixará de existir. Tuas ideias deixarão de existir.
Tuas palavras não sobreviverão ao cadenciar dos anos.
As traças devorarão os sonhos que levaste anos para montar.

Ironia das ironias... Terás todo o tempo do mundo
para assistir o desfazimento de si mesmo.
Quem és hoje, Caio? Quem deverias ter sido?

Só, num mundo de loucos e desvalidos.
Um naco de nada largado ao esquecimento.
Preciso lembrar-te de tua vida.

Antes pulsavam teus nervos... Sentias o vento.
Agora não sentes mais nada.

Não tiveste velório.
Não tiveste lágrimas.
Não tiveste saudades.
Não tiveste conquistas.

Tens a lápide.
Ela somente.
Pedra resoluta na beira do berço.

Então, me explica, Caio.
Arranquei-te o corpo. Tirei-te os nervos.
Sequei-te as lágrimas. Apaguei teus vestígios...

Neste exato momento, encaro teu cadáver enrijecido.
Esfacelei tua vida, cortei-a em cubos. Queimei teus cadernos.
Obliterei teus versos.

E mesmo assim... Há algo em ti que não posso matar.
Algo denso, profundo, infinitesimal.
Tu estás nos pequenos detalhes inalcançáveis e indizíveis.

Então... Se estás totalmente morto diante de mim,
como estás ainda falando comigo?
Tu morres. E, ainda assim, continuas vivo.

Caio Mello
02/05/2013

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