sábado, 19 de março de 2011

Carolina II

Carolina sentou-se na grama. Era uma tarde ensolarada. As pernas finas cruzadas debaixo das meias longas, brancas e sujas de terra. Os sapatos pretos brilhavam junto com o sol. Era um calor gostoso, daqueles que não ardem na pele, que esquenta e deixa uma vontade absurda de ficar o resto da vida ali. Ela brincava com pedras e gravetos, tentando montar uma estrutura delicada. Ainda não havia conseguido manter tudo de pé por muito tempo. Montava, desmontava, construía, fazia buracos na terra. Uma fileira de formigas passava ao seu lado, carregando folhas verdes como estandartes. O verde balançava, tremulando numa velocidade feroz na sua pequenez de inseto. Ela inclinou um pouco a cabeça e começou a encarar a estrutura...
E se eu puxasse esse graveto mais pra cá? Será que o príncipe ia conseguir dormir com o barulho da fonte ali perto da sua janela? Descimentava desejos em forma de grãos. Ruborizava o tapete de entrada, estendia o longo vestido da princesa. Sorria as paredes, trabalhandava os detalhes e seus habitantes. Habitava. Bitava. Dava vida ao som. Sussurrava aos seus dizeres as vontades secretas de um inimigo distante. Cânticos ermitões brilhavam em verde e rosa ao sul do descampado. Os olhinhos recém-erigidos na gloriosidade real explodiam a janela e procuravam as cores.

Será que era guerra?
Um dia de paz?
Correntes cantavam
tritezas mofadas.

Era tudo bem,
O cimentoforte
cimentofortava
antes de seu tempo.

A terra volvia
verdava num canto,
gritava, rugia
e causava espanto.

Ento mento ninto
dessacarilar.
De sangue, san tinto
tudo a se pensar.

Tudo bem: paz ainda estava feita.
Príncipe conhecia a arte da guerra
não deixava sangue manchar sua terra.
A ponderação foi por ele eleita.

E deixava cantar os ermitões,
e deixava correr todas as crianças
e deixava ser todas esperanças
e deixava cantar todas as canções.

Pois comandava sempre com justiça.
Sempre ouvia todos seus moradores,
errava só por ser carne também.

Fazia dos acertos grande lista,
conversando com grandes pensadores.
Carolina, vem almoçar meu bem!

O reino imensava pela montanha que o guardava na barriga. Prosperava, crescia, reinava todo pelo mundo afora. Aliás, que mundo? Terra toda, toda terra, tanto faz quem berra, quem erra. O que importava era a terra. Era como se o castelo fosse uma ilha. Vem almoçar, minha filha! Isolada no meio do oceano infinito, sem nunca mais ter que... Carol! Carol! Me ouve, menina.
Carolina largou os gravetos no chão. O sol agora estava um pouco mais inclinado já. Era domingo. Nos domingos, eles almoçavam sempre mais tarde. As janelas da casa refletiam os olhos da menina. Ela sorria. A mãe ajudou-a a levantar-se, bateu no vestido para tirar o grosso da terra. As duas foram de mãos dadas até a porta de casa.

Caio Mello
19/03/2011

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