A
ceia de Natal estava muito bem servida. Todos os familiares sentavam-se juntos.
O neto mais velho comia com muita vontade tudo que sua boca lhe permitia. A
filha mais nova do casal arrumava os cabelos de sua filha. A avó cortava mais
um pedaço de peru para servir seu marido, o avô.
O
avô sentava-se na ponta da mesa, ao lado de sua mulher. Cabelos grisalhos e
curtos. Barriga larga, parecia ter engolido o mundo em algum momento de sua
vida. Mãos grandes e dedos grossos. Uma barba rala e branca nevava em seu
rosto. Suas vistas com veias saltadas de guerras antigas travadas contra o
terno e a gravata. O avô encarava seu próprio prato. Comia numa velocidade
razoável. Nem muito rápido, nem muito devagar. Parecia saber o que comer,
quanto comer e quão rápido deveria fazê-lo. Na mão direita, um grande copo de
uísque. Debaixo de seu semblante grave, permanecia uma personalidade já
riscada. Um tanto enfastiado da vida, quem sabe. De longe, taciturno. De perto,
introspectivo. Talvez o mundo que construíra dentro de si já tivesse se tornado
maior do que o mundo que o envolvia tal ovo em casca. Ele resmungava para si,
em sussurros.
A
netinha mais nova, com seus cabelos cacheados, chegou perto de seu avô. Ela
vestia um vestidinho rosa todo bordado. Sapatos brancos e meias brancas. Bem
nova, com olhos que pareciam querer engolir o mundo. Grandes, bonitos,
brilhantes. Ela trazia uma bandeja em suas mãos.
Vovô.
Huummm.
Té bicoito?
Hummm?
Bicoito, vovô!
É bissscoito, menina. Cê tá esquecendo de um S aí no meio.
Tanto faz, vovô. Té? Bisssscoito! Bissscoito!
O avô soltou uma
risada grave e abafada. Era como se expelisse parte de seu corpo para fora. Era
uma risada grossa, grave, cheia. Como um soluço entrecortado repetido diversas
vezes.
Quero não.
Qué sim.
E por que eu quero sim?
Óia, vovô, é bissscoito de bonequinho! Tem sorriso, tem desenho, tem
tudo!
Tá bem, menina. Dá um aqui pro vovô. Depois leva a bandeja ali pro seu
tio que ele serve todo mundo. Vai brincar agora.
Eba, você comeu!
Comi sim, pequena.
O avô olhou o pequeno
homem-biscoito. Tanta coisa que ele ainda tinha para aprender e já seria
devorado. Uma pena. Ao contrário, a menina... Tanta coisa ainda para ver no
mundo! O avô mordeu o homem-biscoito. Huumpf...
Gostoso.
Caio Mello
25/12/2012
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