quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Flácido



Algo em mim decanta.
Perco o brilho, permaneço nas sombras.
Sinto-me na gruta, obscuro.
Meus olhos perdidos brilham na noite.

Uma parte de meu corpo tornou-se puída, gasta.
Um canto está velho em mim.
Vou perdendo gradualmente minhas aptidões.

Meus olhos segredam,
meus dedos se perdem,
meus montes de areia
fogem com o vento.

Mergulho em mim mesmo
na madrugada revolta.
Meu corpo, fluido, desfaz-se no mundo.
Desnecessito de tudo, carente, porém, de um milagre.

Os homens não são feitos uma vez só.
São diversas e repetidas vezes feitos, construídos,
remodelados. Perdemos o barro, a lama,
a alegria. Caem braços, pernas, pulmões.

Tal qual estrela-do-mar, nossas partes ressurgem.
Mas já não são as mesmas de antes.
São algo diverso... Conteúdo enigmático
que teima em não se adaptar ao corpo.

Essa nossa máquina cotidiana de pulsar sangue
rejeita suas partes vindouras.
O paradoxo da reconstrução.
E fico eu, incompleto.

As peças incoerentes de uma máquina que
nunca poderá ser construída.
As tintas ressecadas que
nunca comporão um quadro.

Negam-me, a olhos bem abertos,
a poesia. Arte incoerente e solitária.
Repito-a eu, resoluto. Social, mundana,
participativa, nunca sozinha. Nunca.

Mas não posso fazer olhos ressacados me darem respostas.
Cada um pinta o universo com as cores que deseja.
Optamos por assistir o que vemos
e construímos um sonho individual.

A arte morre na alma cética.
Infeliz, manca, a alma segue supostamente incólume.
Contudo, é incapaz de ver a mácula no estofo de seu peito,
no coração sofrido que tem medo de viver.

O medo espalha-se como fogo na palha.
Ele sobe, ele corre, ele engole.
Deturpa meu corpo, cega meus olhos,
cala-me a alma.

Caio Mello
13/12/2012

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