sábado, 8 de dezembro de 2012

Vamos contar o que nunca se conta



Contar o tempo é uma ideia absurda.
Dividir a existência em pequenos compartimentos
não faz o menor sentido.

Antes que a lógica atingisse tal noção,
o mundo simplesmente existia.
As coisas viviam, tomavam seu tempo.
As plantas cresciam porque era natural que crescessem.

Os indivíduos (humanos ou qualquer outra definição)
comiam quando tinham fome.
Eles não comiam a cada três horas, como diz a boa dieta.
Eles comiam quando achavam necessário.

As sensações parecem divididas em pequenas células impermeáveis.
Hoje vou ficar até duas e meia da tarde na casa da Joana.
Depois disso, vou pegar meu carro e consigo chegar em casa
até três horas da tarde. Assim consigo ver o jogo.

Estamos compactando quem somos.
Perdemos a primórdia sensação do caminhar.
Sabíamos que o mundo era mundo. Víamos o sol e a lua.
No seu vagar natural, seguindo uma dada sequência.

Perdemos um pouco da arte da admiração.
Antes, não tínhamos a ideia de tempo.
Agora, não temos tempo de ficar contemplando a vida.
Precisamos utilizar nossas cápsulas de tempo.
É contraditório dominar, porém nunca possuir.

Numa dada época da história, o homem descobriu que,
se soubesse calcular melhor a distribuição de suas tarefas ao longo do dia,
conseguiria executá-las com mais rapidez e pragmaticidade.
Com isso, evoluímos.

Mas esse próprio conceito nos traiu.
Nossa crença na otimização da vida, tornou-nos viciados.
Hoje, não podemos mais abrir mão de nosso tempo.
Precisamos fazê-lo durar, fazê-lo existir.

O cotidiano precisa ter um significado coeso, lógico,
programático. Tudo em seu devido tempo.
Acordamos no mesmo horário, almoçamos no mesmo horário,
trabalhamos quase sempre nos mesmos horários,
nossos almoços em família têm horário,
nossa novela predileta tem horário.

Sabemos sempre que horas são.
São sete horas. Sim, sete.
Mas elas são o que?
São momentos de prazer, de regojizo, de loucura?
Elas são apenas... horas? Mais nada?
Foi para isso que inventamos a divisão de nossas vidas?

Outro conceito alterou-se com a noção de tempo.
O que significa, hoje, viver muito?
Ele viveu muito: morreu com oitenta e nove anos de idade.
Morreu com muita idade, tempo avançado.

Mas será que a senilidade representa viver muito?
Viver não é simplesmente empilhar tijolos
e contá-los verticalmente.
Um, dois, três, quatro...
Não. A vida não era assim. E não deveria ser.

Precisamos fazer ainda outro cálculo:
viver muito deve significar
a quantidade de alegria, conquistada ou despendida,
ao longo de uma existência.

Saberemos apenas quem viveu muito através
de seus sentimentos e de seus atos.
Viver muito significa estender a mão,
significa levar seus sonhos ao extremo,
significa amar e ser amado.

Nós esquecemos como o mundo era um oceano de sensações.
Perdemos completamente a ideia do fluir constante.
Possuímos uma previsão absurda de nossas tarefas.
Podemos, inclusive, predizer nossa própria morte com
um razoável grau de precisão. Sabemos lidar com o tempo.
Morremos nos suspiros do bater dos segundos.
Vazamos a cada instante, a cada girar de engrenagens.

A vida sempre existiu, bem antes do homem.
É ridículo acharmos que podemos, hoje, dominá-la.

Caio Mello
08/12/2012

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