sábado, 16 de novembro de 2013

Destino



Mais fundo.
Mais fundo.
Completamente imerso na escuridão.

Lá onde as almas se calam
e os homens têm medo.

Cavando as feridas com as unhas,
arrancando gotas já ressacadas de sangue humano.

No entredentes. Falta de ar.
Desespero no fundo dos olhos.

Mais fundo!
Arrancando para fora os piores sentimentos.
Atrás da porta da infância um olhar atônito.
Não se sabe, mas a memória permanece.

Por detrás da nostalgia. Muito fundo.
É possível sentir o sangue pulsando na garganta,
quase jorrando para fora.

Os sentimentos mais vergonhosos. O limite dos pudores.
Lá: exatamente ali é preciso chegar.
Onde nada mais existe e ninguém mais pode ser ouvido.

Ali, a vida não faz mais sentido.
Com metros e metros de terra acima da cabeça.
Quem sabe? É preciso visitar todos os lugares.

As costelas tremem involuntariamente de frio.
Os lábios ficam dormentes.
Lágrimas fogem dos olhos e fomentam as pálpebras.

Uma mão que atravessa a vista e joga-se para dentro do crânio.
Na massa cinzenta, pensamentos tão sombrios quanto o próprio silêncio.
Mais fundo!

Quase profano. Improvável.
A ausência de tudo e a inabalável loucura do homem.
Num pequeno canto de um quarto muito sujo
de uma criança que morreu de inanição
em meio a uma guerra civil.

Caçava alimentos com seus dedos pueris.
O medo. O medo cru.
Ele não pode ser esquecido jamais.

Não pode.
O medo que se esquece é o medo que se repete.

Então, é preciso renomeá-lo. Revê-lo.
Revitalizar a longevidade efêmera da carne.
Carpir o dia. Todos eles, com as mãos calejadas.

Mais fundo! Sim! Ao limite. E depois mais.
Sempre mais. Nunca parar.
Até a própria alma dividir-se em um milhão de partes,
pequenos nacos de pão que serão servidos às pombas
numa praça, domingo à tarde.

Um bilhão de cacos de vidro espalhados por uma cama.
Em cima, dois corpos fazem sexo.
Gozo-dor, prazer do sangue e do sêmen, no mesmo destino
que cada pessoa deveria conhecer na vida.
Cada caco galgando a profundeza da pele. A dor. O prazer.
E o ódio.

É preciso chegar tão fundo a ponto de não haver mais significado
plausível para nada.
Não será mais necessário explicar o que nos cerca
quando chegarmos aos grotões de nós mesmos.

Onde a ciência não alcança. Onde a lógica não perfura.
E nem mesmo pensamento é possível ter
quando se fala do inatingível.

É preciso chegar até lá. Sentir as dores.
Ter os medos. Vivenciar.
Mais fundo!

Até as cicatrizes deforarem a pele com a qual nascemos
e nossos olhos se negarem a buscar uma última beleza
qualquer que seja.

Lá,
somente lá,
seremos profundamente livres.

Caio Bio Mello
16/11/2013

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