domingo, 3 de novembro de 2013

O tempo do mar e da música



Ao longo da vida,
nos encontramos por diversas vezes.
Damos voltas. Eu no compasso, você no contratempo.
A nossa harmonia dissonante no fundo do oceano.

Eu queria te falar,
te contar dos meus momentos.
Mas meu coração me proíbe.
Ele, pobre, anda inchado de doenças.

E meu lá menor continua batendo.
Lá em perto do entre nós,
com o dó que tive de mim.

E como não teria?
Os olhos marejados... A areia entre os dedos.
Eu queria poder dizer, poder falar.

Mas não há quem diga, nem quem encontre.
Pois, então, presenteamos: estamos. Momento.
Apenas mais um hiato. Conte o tempo.
Eu subo oitavas enquanto você desce escadas.

Queria poder dizer que você não existe.
Meu desejo mesmo é contar que nada disso nunca aconteceu.
                        Imaginemos, então, a falha de tudo.
            A boca frouxa, a mente fraca.

Desdenhamos de tudo.                                                         Este certo segredo
oblíquo
que me apareceu
                        sereno                                                                       
como a noite.  

E de memórias jamais viveremos.
            Como num simples desestar intermitente.
                        A minha alma
peixe frágil
            recém capturado por um anzol qualquer.

Então é passado. Preterimo-nos. Um futuro envidraçado.
Que engraçado...
Quisera eu poder dizer da vida.

Nem se tem por que viver
se no dia dessa noite
me foi lá um maremoto
retomando o turbilhão.

Eles jamais pensarão
nunca, nunca vão saber
o que era de mim remoto
o que de nós o foi-te.

Pretendia. Preteria. Pretenderia. Pretredremos...
Jamais.
E, lá, depois do cais:
há um mundo para se ver.
O que se arde sem perceber.
(e o que há para se calar).

Perdoa-me se te devoro.
Sou devedor de ti mesma,
a última súplica do último grito
do último homem no último mundo.

                        Jamais                                                saberei.
Ir, enfim.
                        Adiante.
Como se adiantasse passar um pé depois do outro,
ou subir o muro                     
                                               ou cair no morro
ou sumir no mundo.

Universo: tacanho.

As duas mil correntezas que passamos juntos. O frio, o calor.
A falta de ilógica, a perda de sentido trazida pela perda de nós mesmos.

            Eu te vejo agora. Posso sentir muito bem os seus olhos. São como um peso. Sim. Um fardo. Pesa-me em mim hoje o que você é. Perdi-me em tendências, motivos para justificação. Mas nada me justifica nada. E nem deveria fazer sentido. Giramos pelos ares. Sinto os acordes ressonando em minha alma. Eu salto. Você, um sustenido perdido na minha escala feita apenas com notas justas. Dissonâncias ecoam enquanto minhas guelras buscam oxigênio dentro do aquário sem bolhas. Faltam-me substâncias. Agora, estamos. Ontem, estivemos. E enxergo no fundo dos seus olhos um ar de infinito... Como se a minha âncora jamais pudesse tomar porto em canto desafinado algum. A areia move-se. Mais uma carcaça de navio esperando a deriva do oceano tornar fecunda sua estaticidade.
                        E somos assim todos.                        
                                   Mas não eu e você. Você é diferente... Você não existe. Nem nunca existiu. Nem deveria ter existido. Porque a existência é obrigação das almas mais exigentes. Mas você nunca existiu nada. Ou exigiu demais?

Hoje já nem sei.
Não sei nem mesmo se deveria ter sabido.
Sinto-me no mar salgado, batendo contra as rochas.
As ondas? Que se percam em minhas harmonias.

Em voltas
                                               e voltas
                        e voltas
                                                                                                          e voltas
e voltas

e voltas
e voltas
nos vemos de novo.

Caio Bio Mello
03/11/2013

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