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correram rápido pela cidade portuária. Um animal fora visto não muito longe do
porto. Um dorso colossal, dobrando a água e o tempo. Marinheiros perderam-se na
sua busca. Barcos e mais barcos percorreram as lágrimas do oceano. Muitos
morreram. Lendas se formaram. O que seria o monstro? Um demônio recém parido do
inferno, prestes a dominar o mundo. Poucos meses depois, um pescador avistou o
pagão correndo pela praia. Pernas terríveis. Forte como o próprio medo. Então,
os entes familiares começaram a sumir. Um homem conseguiu escapar. Na luta,
perdera um braço. Mas estava vivo. O sobrevivente permaneceu dias no hospital
sem conseguir falar. E os ataques continuaram. Maléficos momentos pairaram
sobre a cidade portuária. Não uma história digna de ser de fato, mas um mero
fato digno de ser história. Os fotógrafos locais tentavam obter momentos da
horripilância. Ninguém tinha sucesso. Não só pessoas, mas também animais
começaram a morrer. Cachorros, gatos, cavalos, galinhas... Tudo era devorado.
Um velho louco passou noites e noites no frio buscando o malfadado. Andava
armado pelas areais da praia. Mas também nunca achou segredo algum. As mortes
vazavam pelas portas uma a uma. Crianças perderam suas vidas. Os moradores da
cidadela desesperavam-se. Já não sabiam mais o que fazer. O único sobrevivente
foi melhorando com o tempo. Já se sentia bem melhor. O prefeito pediu para o
ilustre manter um acompanhamento psicológico antes de vir a público contar
sobre sua experiência com o vira-mundo. Instalaram-se diversas lâmpadas pela
praia. Guardas foram distribuídos para fazer rondas pela madrugada. Atiradores
de elite foram posicionados estrategicamente pelos quatro cantos do mapa. Mas
as balas nunca bateram na pele dura do desalmado. Estaria ele de volta ao
oceano? Estaria no esgoto? Escondido debaixo da terra? Num beco escuro, mais um
corpo. Uma mulher. Seu rosto dilacerado. A família enterrou o cadáver num
funesto momento de solidão coletiva. Botar panos quentes e lágrimas mornas num
defunto jovialmente desfigurado. Era culpa do afamado. Muitas pessoas começaram
a se mudar da cidade. Deixavam tudo para trás. Lojas, barcos, poupanças e
pertences. Era melhor assim. O passado deve ser preterido. Um menino correu
para o quarto dos pais em uma noite qualquer. Estava cedo e ele, cego. Era o
intempestivo!! Impossível localizar aquela imensidão poente... Como um
fantasma. Uma assombração coletiva. O medo espalhava-se compulsivamente.
Ninguém mais conseguia permanecer em paz. O heroico sobrevivente finalmente
terminara o seu tratamento. O doutor Fulano que o acompanhou chamou o prefeito
um dia para conversar. "Nosso batalhador sofre sequelas além do
imaginável... O senhor não acreditaria. Ele está louco. Completamente fora de
sua razão." Que desespero... O único que desvendou o segredo da visão do
mal-querente agora já não poderia explicar como se mantivera vivo! Mais meses
pularam o calendário. Mortes e mortes e mortes... Sempre à espreita. Crianças,
velhos e adultos... Ninguém era poupado. Não havia horário nem destino. Os corpos
surgiam no meio da rua, cobertos de sangue e moscas zuzurrantes. O líder do
executivo declarou estado de sítio na cidade. Era melhor por um fim àquilo
tudo. Foram criados toques de recolher, limites e proibições. Álcool não
poderia ser mais ingerido. Crianças não poderiam mais andar sozinhas pela rua.
E mesmo assim... O desdito continuou a matar. Desesperado, o prefeito não viu
outra saída senão conversar com o sobrevivente. Sua esperança era, em meio à
loucura, desvendar algum traço de clareza, de objetivo em seu discurso.
"Sobrevivente, preciso que você me conte agora sobre o devorador. Quero
que me conte com detalhes como sobreviveu." Eis a resposta, curta, seca e
óbvia do heroico restador: "Não tenho nada para falar sobre o abominável.
Eu nunca lutei com tal bicho. Não lutei porque ele não existe. Errados são os
homens. Todos eles. Foi contra eles que lutei. E sobrevivi."
Caio
Bio Mello
10/11/2013
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