quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Sou



Entrelaço meus dedos com os dela.
Giro levemente meu pulso.
Conduzo-a.

Ela sou eu. A minha melhor parte.
A mais doce, mais forte, mais crescida.
Sou apenas ramo da árvore frondosa.

Sua pele macia alimenta meus dedos.
Tenho certeza de que existo,
posso sentir o significado que devemos dar ao mundo.

E, sereno, danço.
Aproximo-a ao meu peito
para que possa sentir seu coração forte.

Ele me embala em suas batidas,
afoga meus anseios
e me vela pelo mar.

Seu corpo, de todo frágil, é forte.
Minha sobrevivência basilar,
o pulsar mais forte de meu universo.

Sou infinito. Perco meus limites entre meu corpo.
Ela, tão próxima, tão vivível.
Deixo de ser uno. Partilho uma falta de limites.

Posso ver seu todo esculpido
nas manchas tristes de sangue.
Elas choram os sentimentos das artérias,
abandonam a carne a qual me agarro.

Ela me admira: confiante.
Mais do que admirar, desafia-me.
Ela me puxa para perto, para si.

Meu corpo ganha cor. Estou vermelho.
Morremos a valsa da vida em sete acordes.
Sua respiração começa a ficar ofegante.

Estou ofegante também, meu coração dispara.
Preocupo-me. E o futuro? Como será?
Mas ela desdenha de meus medos. Ri de minha angústia.

Segura meu queixo com seus dedos delicados.
Posso sentir que há firmeza na vista.
Mas seu pulso já começa a perder a pegada.

Ela continua a me puxar, a me empurrar.
Então, agarra-se a mim.
Posso ouvi-la gemer quase tão baixo
quanto o bater de asas de um beija-flor.

Seu último reflexo aperta meu pescoço.
Aproxima-se de mim, seu corpo revolto
e desconexo acaba-se em mim.

Quanto mais me agarro a ela, mais a perco.
Meu desespero esvazia minha certeza.
(mas é no grito que realmente amamos)

Instantaneamente, seu corpo todo se liberta.
A força termina, mas o gosto permanece.
O gosto doce do inverno morango ao matarmos o frio entre nossos corpos.

Ela se desfaz em meus dedos. Sua existência parte à mingua.
Em segundos, a mulher de meus desejos transforma-se em cinzas
que escorrem por entre minhas garras ainda sedentas.

Não posso detê-la. Ela se vai como pode, sem aviso.
E nunca mais mais lábios terão o mesmo peso,
nem minha língua terá o mesmo gosto,
nem meus braços terão a mesma volta.
E a vida perde, de supetão, todo seu significa mais profundo
enquanto suas cinzas dançam na queda helicoidal dos desencontros.

Caio Bio Mello
06/11/2013


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