domingo, 11 de maio de 2014

Falta de razão



                 O corpo se desfaz em uma miríade de sensações. A alma e a mente, unidas numa única realidade, como se o tudo pudesse, finalmente, ser o nada. A verdadeira explicação de tudo através de não se explicar o que não merece ser explicado.
            A genética dos versos, evoluindo pela seleção natural dos leitores. Diversas mortes, espécie ameaçada. O silêncie sepulcral da noite, numa breve tentativa de esquecer que a metrópole jamais parará de rugir.
            A carne, também, como mero invólucro desnecessário de algo que sequer existe. Como se a existência tivesse qualquer sentido, como se ela partisse de um lugar e chegasse a outro, como se ela quisesse dizer algo.
            A mediocridade.
            Tentando amoldar-se ao mundo. Dar continuidade, conexão. Tentando provar algum sentido naquilo que, na realidade, é o puro caos. A raça mais evoluída da loucura. Não ter consciência da própria existência é aceitar plenamente que as coisas não fazem sentido.
            O ser humano, pobre animal, e seu desejo imbecil de colocar ordem em tudo. Buscam-se padrões, organizações, métricas... E isso causa uma angústia assustadora no peito das pessoas, na alma de quem vive. Viver é estado pleno de querer ser mais, mas aceitar a mera condição do vivo.  
            O mercado rentável da falsa alegria. As famílias estereótipos, meras projeções planas, claramente díspares do mundo real. O choro escondido. Os gritos aos poucos, presos dentro de pulmões que insistem em não admitir.
            A desnecessidade – tão relegada a segundo plano! A praxe da ganância, do desejo irrefreado por aquilo que pode ser mais ou mesmo deixar de ser. E os corpos, enfileirados, sequenciados, enumerados e tarifados. Sequências e mais sequências de pessoas que sofrem o mal coletivo da indignação profunda, sem mesmo saber do que sofrem. Sofrem por dentro, no recôndito momento dos domingos à noite.
            Os questionamentos. As pálpebras que se recusam a se fechar. Olhos abertos encaram o nada. Imensidão vazia. Sonhos murchos, perdidos, enterrados no cotidiano que esgana crianças e esquarteja adultos. E os sobreviventes, já idosos, enumeram os momentos que deixaram de aproveitar ao longo da vida.
            Mas existe a necessidade. A obrigatoriedade. E, sem ela, não há quem viva. Porque segunda feira estamos todos de pé. Ao raiar do dia, calçamos os sapatos, entramos no ônibus e nos deixamos balançar por diversas ruas congestionadas. E não há quem negue, quem não faça, não há quem não precise.
            Porque todos precisam de algo, todos buscam um sonho e um medo. O sonho, para que possam seguir sem se deprimir. O medo, para que possam se sentir ameaçados o suficiente para não parar.
            Há momentos de ilusão, há momentos de tristeza e há momentos de descoberta. A alegria permeia todos os elencados, em seus meandros, em suas veredas, em suas dobras. O barco de papel navega seus poucos segundo logo ao lado da calçada. E o menino que uma vez existiu? A vida que se passou? Resta o barco, o homem perece.
            Tal é a função do papel no mundo. A celulose, hoje já pseudorrenegada, em busca de uma nova função para povoar a mente dos indivíduos. Mas eles já não amam.
            Já não querem, não buscam, não desejam. Repetem a história de seus antepassados, reincidindo em erros e ignorando os acertos. Cabeças vazias balançando perdidas ao vento. Nada ecoa. Estão presos.

Caio Bio Mello
11/05/2014

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