segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Antipoiesis

O poeta é incapaz de conter seus sentimentos.
Está sempre aberto ao mundo,
sempre conectado de um modo que não pode explicar.

Não se trata de estética, de sonoridade,
nem de qualidade artística.
Sejam os versos bons ou ruins,
esse estado permanece.

É um permanente contato com algo interior,
amarrado às tripas e à alma.
Há momentos nos quais o desejo é apenas pelo silêncio
e pela serenidade.
A vontade de conseguir fechar o vidro,
silenciar o barulho.

Mas isso é impossível
As palavras, sejam feias ou belas,
elas consomem. O corpo é enferrujado por dentro.

Antipoiesis: o efeito deletério do eu-lírico.

É estar sempre aprofundado nos sentimentos,
nas ideias, ensimesmado.
A incapacidade de permitir a ocorrência
natural dos eventos.

Uma inaptidão, que brota muitas vezes
à noite, quando o poeta deixa-se deitar
para (tentar) dormir.

São milhões de pássaros, uma revoada,
um rio caudaloso durante uma enchente.
Os objetos se amontoam
em pilhas e estantes.

A antipoiesis é o lado sombrio
e profano da criatividade, ignota à estética.
Ela não é bela. Ela existe.
É como um órgão novo no corpo,
que afeta a respiração, a circulação e o ciclo do sono.

Mas, por outro lado, é consequência lógica
da poiesis. Se existe o belo, deve haver o profano.
É natural que se pense na existência
do terrível quando se cogita o maravilhoso.

E esses dois mundos existem
e se digladiam no coração pulsante,
às vezes como rosa, outras, como guerra e sangue.

Uma vida de extremos.
Repentes de felicidade, rompantes de tristeza.
Um dia de sol, outro de lua.

Por ordem causalista,
mantém-se o equilíbrio – e para dar-se o contraste,
devem os extremos coexistirem
no claustro de um mesmo peito.
Só é capaz de descrever a alegria
quem já vivenciou a tristeza.

Então, é preciso respeitar a antipoiesis
e deixá-la consumir o corpo, em pequenas doses.
As marcas e cicatrizes são o cimento.

Somente assim, em tal aceitação tormentosa,
ao advento da poiesis,
terá o poeta a capacidade
de alcançar o lirismo mais puro e mais selvagem
que jamais poderia sonhar.

Caio Bio Mello

21/12/2015

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