quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O pássaro na janela

Quem és tu, então, oh pássaro?
És passado, presente ou deletério?
Jazes em minha janela.
            Sepulto indiferenciado em desclaustro
(a morte nunca foi tão dúbia)

Vai, voa para tua terra.
Ornitópolis – despropositada existência em meu vidro.

                        És silêncio, erro, nefasto.
Ave de penas cromatocráticas.
Que desejas? Não vês que estou moribundo?
            És o presságio lindeiro.

Posso ouvir-te. Tu, que me conheces tão bem,
                                   onde estiveste esses anos longos?
Banha outra janela com tuas multicolores.
            Teus olhos de rapina. Ave, afã, monstro.
Queria eu saber de outro ofício, de outra vida.
                        O desterro e o destripo.

Posso ouvir-te bicando meu sepulto.
            O verdadeiro desassossego.
Não biques meu cadáver, age com respeito!

Larga-me, vá. Não busques em mim o que não encontras em ti.
            Não vou te responder, nem te apoiar, nem te alimentar.
                        És necrófago alado.
Desejas minha carne.

Sinto-me confuso, engodado. Teu arco-íris é fascínio,
            mas teu hálito é pútrido.
Distorço-te? Não digas ser irreal porque já não saberia mais discernir.
            Talvez sejamos iguais, ambos. Tu, mais que eu.
                        Teu bico curvo que dilacera intestinos
e meus dedos afalanjados de unhas rotas.
Tu bicas. E eu, do outro lado, arranho a mesma madeira.
            Sabes me dizer se eu conseguiria sair?

Caio Bio Mello
20/01/2016

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