sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ut

Em teu corpo pouco
cabem tantas falhas.
Nessa carne fraca
cabem tantos erros.

Tantos silêncios recônditos
que guardas
com pudor
para que nunca lhes bata no rosto a luz do sol.

Segues com as tuas falhas
pela rua ignota
sendo tu só mais um
no mar das coisas infortúnias.

E o sadismo das coisas segue rumo.
Esse bem-querer mal-querido
que se deseja mesmo sem vontade.
(ódio latente de quem sente falta)

Sentes falta mesmo sem ter tido
e não choras porque não há motivo.
És um estado entre
o que deixaste de ser e o que querias ter sido.

Mas, agora, continuas sendo.
Esse rascunho mal feito
de um traço que Deus riscou
sem mesmo o desejar.

Dançando, pulando, rindo
imaginando que a vida não é isso.
És a contradição da derrota,
a falta de desejos e a falta de conquistas.

As tuas noites são povoadas por pesadelos.
Tens nas mãos um não-se-sabe-o-que
de certezas que povoam teus sonhos.
O que sonhas é perturbado.

Em teus sonhos as coisas são
e deixam de ser
num dilúvio paradoxal
de um ser desconexo.

És um erro, enfim.
Descontinuidade que segue rumo
tentando fingir que é normal.
Mas sabes que nunca será.

E aqueles olhos te devoram.
Destróem tudo que fizeste de bom para ti.
Olhos gigantescos da cor da noite,
que se calam e te proíbem.

Nem teus olhos servem de muito.
Não vês direito,
enxergas com dificuldade
o embaçado da vida.

Sentes frio.
Usas cobertores, derretes no calor,
mas ainda sentes frio.
E, por dentro, tremes o dia inteiro.

Teus ossos batem uns contra os outros
tilintando a tristeza que devora a tua alma.
Não consegues parar de ver teu próprio reflexo
e sofrer, horrorizado.

Os dias não têm mais fim.
Nem mesmo as palavras
têm mais plasticidade o suficiente
para conseguir definir tua descoesão.

És.
Um simples estado inútil e inerte
que se choca
com teu medo.

E não podes crer no que o mundo lhe diz.
Não podes se conter no teatro da vida,
nessa densa ironia de uma teia tecida
pelo acaso quotidiano.

E, de tudo isso,
o que mais te incomoda,
o que mais te machuca nas noites sem fim
é a solidão que não faz parar verso algum
em rima alguma que se encaixe
em qualquer poema.

Caio Mello
20/01/2011

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