Em teu corpo pouco
cabem tantas falhas.
Nessa carne fraca
cabem tantos erros.
Tantos silêncios recônditos
que guardas
com pudor
para que nunca lhes bata no rosto a luz do sol.
Segues com as tuas falhas
pela rua ignota
sendo tu só mais um
no mar das coisas infortúnias.
E o sadismo das coisas segue rumo.
Esse bem-querer mal-querido
que se deseja mesmo sem vontade.
(ódio latente de quem sente falta)
Sentes falta mesmo sem ter tido
e não choras porque não há motivo.
És um estado entre
o que deixaste de ser e o que querias ter sido.
Mas, agora, continuas sendo.
Esse rascunho mal feito
de um traço que Deus riscou
sem mesmo o desejar.
Dançando, pulando, rindo
imaginando que a vida não é isso.
És a contradição da derrota,
a falta de desejos e a falta de conquistas.
As tuas noites são povoadas por pesadelos.
Tens nas mãos um não-se-sabe-o-que
de certezas que povoam teus sonhos.
O que sonhas é perturbado.
Em teus sonhos as coisas são
e deixam de ser
num dilúvio paradoxal
de um ser desconexo.
És um erro, enfim.
Descontinuidade que segue rumo
tentando fingir que é normal.
Mas sabes que nunca será.
E aqueles olhos te devoram.
Destróem tudo que fizeste de bom para ti.
Olhos gigantescos da cor da noite,
que se calam e te proíbem.
Nem teus olhos servem de muito.
Não vês direito,
enxergas com dificuldade
o embaçado da vida.
Sentes frio.
Usas cobertores, derretes no calor,
mas ainda sentes frio.
E, por dentro, tremes o dia inteiro.
Teus ossos batem uns contra os outros
tilintando a tristeza que devora a tua alma.
Não consegues parar de ver teu próprio reflexo
e sofrer, horrorizado.
Os dias não têm mais fim.
Nem mesmo as palavras
têm mais plasticidade o suficiente
para conseguir definir tua descoesão.
És.
Um simples estado inútil e inerte
que se choca
com teu medo.
E não podes crer no que o mundo lhe diz.
Não podes se conter no teatro da vida,
nessa densa ironia de uma teia tecida
pelo acaso quotidiano.
E, de tudo isso,
o que mais te incomoda,
o que mais te machuca nas noites sem fim
é a solidão que não faz parar verso algum
em rima alguma que se encaixe
em qualquer poema.
Caio Mello
20/01/2011
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