terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A milha dourada

Seus olhos refletiam a frieza do dia chuvoso.
O pequeno ali sentado pensava na vida.
Sonhava com terras distantes
com loucuras de verbos errantes.

Mas pessoa nenhuma parava.
Todos continuavam.

E não era apenas a loucura da contemporaneidade que os deixava sem tempo. Mais que isso. Os homens sempre foram homens e nunca o deixarão de ser. Quadrados, inertes, errantes, poços de solidão coletiva no desvairio do mundo real. Todos sem reflexo, sem beira nem nexo como se perdessem o todo complexo das coisas invisíveis. Ocultas coisas indizíveis também, de outros tempos incríveis que são a mesma coisa que somos hoje.

Mas o pequeno garoto era diferente.
Ele podia ver as coisas.
Elas pulavam em sua frente,
reconstruíam-se, tomavam forma diante de seus olhos.

Trens, borboletas, personagens recônditos nos meandros
da metrópole.
Dentro de sua mente, tudo fazia barulho,
tudo era colorido.

Fora, era silêncio.
Presto em descolorimento.
As casas não tinham asas,
eram covas rasas de ratoeiras gigantescas.

O garoto levantou as mãos sujas para o Sol.
Se ele ao menos pudesse...
Mas não podia.

Tudo era duro demais.
E o chão era frio.
Era como se a realidade o impedisse
de dobrar as coisas.

O que dobrava era sua mente,
suas ideias.
Uma mente pueril forrada
de personagens que não condiziam com o mundo real.
Mas, para ele, o real era só mais um mundo a se desmontar.

O seu tempo era de pouco
era a voz do mundo louco
como se tudo não passasse de um risco num caderno
e o seu grito fosse eterno.

Todas aquelas pernas que passavam em sua frente eram só pernas. Andavam, corriam, mancavam, contavam dinheiro, usavam sapatos, tênis, comiam sorvete, dançavam o tango e a valsa vienense, sentiam fome. Mas não iam muito além disso. Como defini-las? Eram. Sim, boa palavra. Eram e mais nada. Ser, ato simples de pernas que passam por aí em frente à nossa vista que reflete o mundo todo.

O garoto levantou-se do chão.
Só tinha medo, fome e solidão.

E começou a andar na avenida.
Era a rua toda tão distraída.

Se ele berrava, ninguém escutava.
Era a cova com a pá que se cava.

Passou o menino maltrapilho por entre as pessoas. Pessoas, aliás, não era a melhor palavra para definir aquela massa ignota que se locomovia homogeneamente de um lado para o outro, como ondas que tentam demover a areia de voltar para o continente.

Ele começou a imaginar
um caminho mágico forrado a ouro
que brilhava por entre a avenida.

Pulou por entre os potes de ouro
sorriram seus olhos
e brilharam seus lábios.

E ele se ria,
ria de si
e ria de todos
para sempre ria.

E o povo não compreendia
(e jamais poderia)
do que se ria o menino.

Pelo menos assim,
ao gargalhar tão descabidamente
no meio do povo atarefado
o pequeno se fazia gigante
e cortava o silêncio das mentes vazias.

Caio Mello
04/03/2011

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