quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Mariana na moringa

José era um garoto como todos os outros.
Acordava cedo de segunda a sexta
para ir ao colégio.
Gostava muito de futebol e de
bolachas Passatempo.

O menino tinha um amor
que não era segredo para ninguém:
José gostava de Mariana.

Fazia ele versos jovens para encantar a moça:
“Mariana, meu amor
você é a minha flor
a cura da minha dor
e o fim do meu rancor.”

Eram versos simples
que pulsavam dentro dele
numa singela flor da idade.

Mariana, por seu lado,
achava José um menino muito charmoso
e lhe dava muitos abraços.
De vez em quando, dava-lhe beijos também.

Dizia ela:

Ô, José, você não presta
tu finge que faz poesia
escreve o que vem na testa
diz que sou sol do teu dia.
Teu sorriso é sempre torto,
sorriso de peixe morto!
Não vale o ar que respira
nem a mulher que te inspira.

E, depois, ela dava um beijo doce no garoto.
Ele achava engraçado o jeito da garota.
Mas a vida parecia-lhe longa, infinita,
como se ela fosse um erro de cálculo
no qual as pessoas simplesmente morriam de vez em quando.

Eles viviam suas tardes a pensar em nada
a cruzar mato e estrada
a comer fruta roubada.
Viviam num conto bom e sem fada.

Mas havia um problema.
(afinal, de problemas é feita a vida)
Morava perto dali um velho
conhecido por feitos mirabolantes
que pouca gente podia acreditar.

Esse velho se irritava com José.
O garoto era largado demais.
Onde já se viu passar tardes inteiras namorando?

Mas não era isso.
Era outro compromisso.
Era sempre Mariana.
Moça de beleza insana.
O velho gostava da fulana.

Um dia enfim,
estava a garota passando em frente
à casa do velho rabugento.
Ela pisou numa armadilha preparada na grama.

Uma corda a pendurou pela perna
de cabeça para baixo.
O velho colocou uma moringa embaixo da garota
e soltou a corda.

A menina ficou presa dentro da moringa.
(até de tampa fechada)

Em pouco tempo,
Zé ficou sabendo.
O velho rabugento
rabugentava com orgulho
e sorria com os olhos e calava com seus lábios
toda vez que olhava para o garoto apaixonado.

A menina quente ficava fria dentro da moringa.
Era escuro lá dentro também.
Gritava ela:
Zé meu amor!
Zé, por favor...
Me tira daqui
Me tira daqui!


Zé tentou uma vez quebrar a moringa.
O velho rabugento, claro,
já sabia da empreitada do jovem.
O garoto teve seu cabelo queimado e ganhou uma cicatriz no ombro.

Ele parou para refletir:
Será que vale mesmo a pena salvar Mariana? Sim, ela é bonita, eu sei. Mas tem tanta mulher aí pelo mundo. Eu podia me virar muito bem com outra pessoa. Essa aí já tá fria mesmo dentro da moringa do velho. Eu vou ser honesto. Eu não sei se presto. Salvar Mariana ou só desencana? Deixar a menina nessa sina de moringa fina tão fria que alucina?

José, por um dia, desistiu.
É verdade.
A vantagem de ser jovem
era que ele podia ser sempre honesto consigo mesmo.

Mas no dia seguinte seu coração apertou.
O seu peito espremeu de tal jeito
que conseguiu tirar lágrimas do garoto.
Ele chorou de saudades.

E, dentro da moringa, chorava Mariana de solidão.

Zé, então, pegou todo seu ódio, embrulhou em papel alumínio
e fez dele uma ideia.
Era uma ideia simples e corajosa.
Mas ia ser arriscada.

Num dia bem cedo,
Zé trocou a moringa de Mariana com a moringa
que o velho costumava tomar água assim que acordava.
O rabugento acordou e virou o conteúdo da moringa
num gole só.

Mariana desceu gritando goela abaixo.
O velho ficou desesperado.
Ele também amava Mariana e não conseguiria
viver sem ela perto de si.
Ele enfiou o dedo em sua garganta e vomitou a menina para fora.
Desesperado, começou a chorar compulsivamente.
Zé o havia derrotado.

O velho devolveu a garota ao seu amigo
e jurou nunca mais atrapalhar a vida dos dois.
O garoto, ao ver seu amor, não conseguiu se segurar
e sorriu com vontade.
Beijou-a de leve na testa. Olhou fundo em seus olhos e disse:

Meu amor
você não é flor
não é nada que cura rancor.
Você é mais.
Você é o que me existe de paz
você é meu desejo
é o amor que eu farejo.
Mas não fica só nisso
o amor é um gigante compromisso.
Eu também não gosto muitas vezes de ti
e amar direito foi o que eu aprendi.
Amar é não gostar também
é chorar e ir além
é sentir a tristeza de perto
é viver sempre de coração aberto.
Eu te amo porque te amo e ponto.
É só isso que eu te conto.
Não sei como explicar
não sei se é um vício no ar
o que eu sei é que não paro de te amar.


Mariana olhou para Zé.
Ela sorriu com carinho.

Zé, querido,
você ainda não vale o ar que respira.
Mas agora vale muito a mulher que te inspira.


Caio Mello
11/01/2011

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