quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Diálogo

Ele segurava a pequena menina em seu colo como se ela fosse se desmontar a qualquer momento. Ela chorava ininterruptamente. Ele passava a mão em seus cabelos. Os cachos dançavam ao sabor do vento em um bailar desorganizado e descompassado. Ela molhava o seu peito com seu choro.

Pequena, não chore. Vai dar tudo certo. Por favor, confia em mim.

Mas como? Como pode dar tudo certo? Você disse que era meu amigo. Acho que você, na verdade, é um baita de um mentiroso, isso sim. Você mentiu pra mim. Mentiu! E continua mentindo! Ela tentava controlar o seu soluço para conseguir continuar falando. Como que tudo vai ficar bem? Meu papai morreu... Ele nunca mais vai poder contar histórias de princesas pra mim antes de eu dormir. Ele nunca mais vai me levar pra praia pra nadar no mar. Ele nunca mais vai plantar rosas comigo no jardim. Ele não vai fazer mais nada. Chorou por um minuto inteiro sem conseguir se controlar. Depois parou. Ficou séria. Eu sou nova, eu sei. Mas já aprendi o que quer dizer a morte. Ela leva as pessoas embora e deixa um buraco no lugar. Esse mundo é injusto.

Menina, fique tranquila. Os olhos do homem estavam marejados, mas ele se controlava. Ele entendia a dor. Podia ver a dor nos olhos da menina. Pior: podia ainda ver a dor nos olhos do pai dela ao saber que nunca mais veria a sua filha em vida. Ele podia ainda sentir o último suspiro do pai da garota retumbando em sua alma funda. Porém, ele vivera muito. Vivera eternamente e sabia da vida. Juntou a menina em seus braços fortes. Depois olhou fundo nos olhos dela. Eu vou te contar um segredo. Você não vai poder contar pra ninguém senão vai estragar tudo, tá bom? Ele nem sequer esperou pela resposta. Eu já vivi bastante. Já vi muita coisa. Você disse que é nova, isso é verdade. Mas, talvez, a vida ainda te mostre no tempo que te resta que idade não importa tanto assim. Tem gente que vive um mês só de vida e que, mesmo assim, viveu muito mais do que um velho de noventa anos de idade. A vida não é um balde de água que vai se enchendo com os anos. Você me falou do mar. Do Oceano. Imagina a vida como as ondas no mar: elas vem e vão, vão e vem. Nunca estamos num mesmo lugar, nunca somos as mesmas pessoas. A menina abriu os olhos com tanta força que parecia engolir o homem que a segurava nos braços. Eu ainda tenho que fazer muita coisa aqui nesse lugar. Vou ter muito trabalho pela frente. E talvez eu encontre a mesma morte que seu pai encontrou. A morte fria. A morte dura. A morte fim de tudo. Mas eu já vivi o suficiente pra entender que a morte não é um fim. Não mesmo. A morte é só mais um momento, um piscar de olhos. É um mudar de ponto de vista. É como se... É como se você pudesse respirar debaixo da água e visse do fundo do oceano as ondas do mar batendo na praia. Você entenderia as ondas com outros olhos, não é? Não tenha medo. Você tem todo o direito do mundo de chorar agora. Mas quero que entenda que seu pai não sumiu e que não há só um buraco no lugar que antes era dele. Seu pai está lá. Aliás, agora, seu pai pode estar com você o tempo todo. Ele está aqui agora. Você consegue senti-lo? O homem levantou sua mão para o sol. Seu pai vai sempre estar aqui com você.

E quando você vai me ensinar a respirar debaixo da água pra eu conseguir ver o outro lado?

O homem sorriu. Era um sorriso especial, sincero. Um momento singelo numa vida tão longa. Talvez eterna.

Isso, menina, você vai ter que aprender sozinha.

Caio Mello
05/01/2011

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