segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Erros

Ele estendeu o braço. O sol estava começando a irritar naquele começo de manhã veraneia. O terno já esquentava junto com o asfalto. O ônibus parou com um silvo curto e fino. A porta abriu-se demoradamente. Uma senhora esticou forçosamente o braço para subir na máquina. Ele ajudou-a, delicado, a subir. Subiu logo atrás dela.

Ela estava em seus braços.
Chorava o tempo passado
e, tavez, também o tempo futuro.

Ele, estupefato,
mexia os beiços
numa feição de insatisfeito.

Chorar todos choravam.
O que ela fazia era um teatro.

Ele procurou um assento vago dentro do ônibus. Todos já estavam lotados a não ser por um reservado para deficientes, idosos e mulheres grávidas. Ele preferiu ficar de pé. Sua nuca começou a suar. Segurava sua pasta só com as pontas dos dedos que já estavam latejando.

Você não me ama mais?
Depois de tudo vivido?
E vai me deixar pra trás
igual a teu pai sofrido.

Você não me mereceu
esse tempo todo aqui!
Eu sei: o erro foi meu!
Fui eu que não percebi.


Agora eram várias ruas a se cruzar pela loucura dos mapas. Semáforos, pontes, parques, cruzamentos... Uma infinidade de nomes criados só para fazer o quotidiano um pouco mais enfadonho. Mas nada a se preocupar, ele estava no horário. Saíra bem cedo de casa, tomara um café reforçado. As coisas iam bem naquele dia. E já tinha gente no escritório.

A casa parecia pequena.
Os berros dela ecoavam, retumbavam,
reverberavam pelos detalhes dos móveis.
Por que as pessoas tinham que berrar?

Tudo seria muito mais simples
se ela brigasse como um indivíduo comum,
mantendo um mínimo de dignidade.

O ônibus parou num farol. A freada foi brusca. Ele teve que se segurar com força na alça para não cair no chão. Aqueles motoristas deviam passar o dia inteiro dirigindo no trânsito, ficando cada vez mais atrasados e cada vez mais neuróticos. Troppo caotico, como diria um amigo seu.

Então, veio-lhe um pensamento.
Talvez ele estivesse também errado.
Não existe erro sem cometimento,
não existe fato sem ser consumado.

Ela seria um pouco de tudo
e ele o resto.
Como se tudo fosse desnudo
e se desfizesse presto.

Só mais um ponto... Ah, acabara de vagar um assento. Ironias do destino, só no último ponto antes do seu vagara um assento. Para que se importar com pequenos erros? Ele já aprendera bastante com erros tão maiores... A caixa de ferro voltou a andar. Ele equilibrou-se, ligeiro. Olhou-se no espelho convexo. Arrumou sua gravata, ajeitou seu cabelo. Tirou do bolso um pequeno lenço branco com bordado de flores azuis e secou seu rosto suado. Ele não havia suado muito, mas não gostava da sensação de ficar molhado de terno. Secou a nuca também.

Sim! As pessoas erram, enfim.
Errar era parte do relacionamento.
E não era uma questão tão simples quanto parecia ser.

Não era somente uma indagação maniqueísta de sins e nãos.
Ele havia errado muito, com certeza.
Mas era o ponto específico que o colocara
em reflexo.

Talvez uma epifania ao ver os
estilhaços de uma mobília atingir o chão
ocorrera dentro de seus olhos morenos.

É! Agora tudo fazia sentido.
Ou talvez um pouco mais de sentido.
Tudo que ele precisava fazer, tudo que ele precisava falar ao descer daquele ônibus naquela manhã de verão era... Bom dia, amor. Que bom que eu consegui chegar cedo hoje no escritório. Você saiu bem cedinho, nem te vi sair da cama. Alguma novidade?

Caio Mello
10/01/2011

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