quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mercado

Vendo o conteúdo de tudo
em pequenos frascos de insensatez.
Dose diária de desvairios
a se tomar parcimoniosamente.

Vendo a preço baixo
em especial aos homens de visão curta
esses mesmo que veem um mundo como um só
e creem na vida como uma esfera perfeita.

Vendo a preço muito caro
àqueles que esnobam ideias
que refutam só por prazer
que negam só para não concordarem.

Dou de graça para quem sonha.
Aquele sonho diário,
sonho feito de estrelas,
delícia de se viver.

É de graça pelo simples fato
de ter encontrado poucos sonhadores como tais
em minha vida.
Sonhar é pouco, os homens que são muitos.

Vendo a mim mesmo
em doses homeopáticas e paulatinas.
O garoto do passado
maravilhando os olhos de um homem preocupado.

Vendo a mim mesmo e não a preço baixo.
Preciso vender em troca de mais,
na busca de continuar sendo
através do desencontro meu.

Vendo às crianças em troca de respeito.
Não quero só vender pelo preço.
Quero um mínimo de carinho pelos frascos.
O vidro parte-se em mãos descuidadas.

Vendo aos idosos por preços módicos
porque nem todos eles são tão bons assim.
Sabem mesmo de muita coisa,
mas por que entenderiam todos eles de frascos?

Vendo às mulheres com receio.
Eis que se abre a cortina do louco
e expõe-se espetáculo descoeso
entre uma personalidade e estilhaços de vidro.

Sim, alguns se quebram.
É sempre bom lembrar que nada é perfeito
e nem foi feito para tanto.
É válido recolher os cacos, pois eles podem ferir.

Vendo aos homens não sem receios também.
Alguns entendem, outros não.
A maioria acaba comprando por respeito,
não pelo conteúdo.

Vendo aos amigos gigantes tonéis
por preços irrisórios.
Só os faço pagar uma quantia simbólica
para que não se sintam mal por ter me dado trabalho sem retorno.

Vendo uma sandice imprescindível ao ser humano moderno.
Sem meus frascos, os dizeres
são meras letras cruas
que maquinam “RUA, AÇO, DÉFICIT, GOVERNO, AMIANTO”.

Vendo com garantia de dois sentimentos.
Passado o frasco ao proprietário,
se os próximos sentimentos não forem ao menos coesos
(em seu dizer descoeso de vontade complexa)
não valeu meu esforço, então não cobro.

Vendo ao solitários
para que se viciem.
A loucura limitada a doses diárias
traz à mente isolada uma dependência interente ao que chamamos de homem.

Vendo a prazo,
mas não aceito fiado.
Há flexibilidade em meu ramo,
mas não se pode faltar com o respeito.

O encanto sempre foi delicado.
O desrepeito faz-lhe em pedaços,
derruba o frasco de vidro
e desmonta um sonho tão amavelmente trabalhado ao longo de uma vida.

Vendo a todos que quiserem comprar.
Quanto maior a vontade de compar,
menor o valor pago.
É ridiculamente fácil saber quando as pessoas mentem quanto à sua vontade.

Vendo frascos grandes, médios e pequenos.
Faço promoções de dois pelo preço de um, desde que respeitados ambos.
Cobro a metade de clientes fiéis.
Vendo a loucura da vida num frasco de vidro.

Caio Mello
12/01/2011

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