quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A cratera

Ele estava andando pela rua coberta de árvores. O céu enegrecido prenunciava chuva, o ar estava abafado e quente. Mais precisamente, ele andava no meio da rua, no asfalto. Um carro passou, desviando de seu corpo sem buzinar. Choveria, quem sabe, em pouco tempo. Respirou fundo duas vezes. Prendeu o ar.

Levantou a mão direita até a altura de sua cabeça. Num movimento brusco, fechou a mão. O asfalto atrás de si começou a se partir numa velocidade impressionante. Parecia uma falha geológica que crescia descontroladamente. O rasgo veio cortando a rua, passou por debaixo de seus pés e seguiu ao próximo quarteirão.

A moça dona da banca de jornal na esquina começou a gritar descontroladamente. Os carros começaram a chacoalhar com o tremer do asfalto. Muitos alarmes começaram a disparar. O açougue da esquina teve sua porta de vidro estilhaçada em milhões de pedaços. O açougueiro teve que desviar das facas que caíam das paredes.

O homem na rua deu um passo para o lado, desviando para a rachadura. Olhou para o chão. Ao redor de si, o asfalto foi rachando novamente até formar um círculo. A fissura no chão começou a abrir. O homem abriu os dois braços, estendeu-os para cima e começou a berrar.

Da cratera recém-formada surgiu uma montanha fumegante, escapando do fogo que lambia a rua. As árvores estavam em chamas. O homem parecia muito sério. Fechou a mão novamente e os prédios ao seu redor começaram a ter suas janelas explodidas num piscar de olhos. Muitas pessoas agora gritavam.

Da cratera surgiram também animais grotescos, grandes e dotados de asas negras. Eles tinham olhos vermelhos e dentes arreganhados.

O homem apontou seu indicador direito para o céu. As nuvens começaram a formar um círculo ao seu redor. O vento foi ficando cada vez mais forte. O que antes era uma tarde quente de verão agora era um vendaval muito forte que parecia querer engolir as pessoas. Uma chuva densa e oblíqua começou a cair. Eram gotas gordas e pesadas.

Um cavalo branco saltou para fora da cratera relinchando. Parou ao lado do homem. Agora o homem fazia o asfalto se contorcer para formar um portal no quarteirão em que ele se encontrava. A água da piscina do prédio ao lado alçou voo, tomou a forma de um pássaro gigante e pousou no topo de outro prédio. Os carros começaram a ser comprimidos em si mesmos, como se alguma coisa os estivesse espremendo.

O homem montou no cavalo sem cela. Abriu um sorriso com o canto da boca, mas sem sorrir com os olhos. Era um sorriso sádico. Um caminho de fogo se formou até o final da rua. Ele começou a cavalgar pelo caminho o mais rápido que podia.

Agora tudo teria um começo.

Caio Mello

06/01/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário