quarta-feira, 4 de julho de 2012

Somente o necessário


Quanto mais coisas ele fazia, mais na masmorra se sentia. Estava preso. Era um rato de laboratório. O único cheiro que podia sentir era do seu próprio peido. Aquilo ali não tinha o menor sentido. Seu cabelo era um emaranhado de loucuras perdidas ao longo do tempo. Ele podia ver muito bem com os olhos. Mas não tinha nada para ver. O que aparecia na sua mente eram imagens dispersas de momentos desconexos. Podia ver o presente, o passado, o futuro, o quotidiano... Tudo o que já fora uma vez deixava de ser.

Ser!
Tal qual verbo perdido
as tardes nas manhãs
e o desmembramento
das velhas
por
ó

            E que se registre a falta de fé, o esbulho, o concretismo, a prolixidade, um terno arranhando o ombro. Um ombro arranhando um terno em uma parede qualquer. Sua bunda doía, ralada. A merda do chão frio, que merda! Já não conseguia nem mesmo explicar para si mesmo o que conseguiria explicar para crianças de três anos de idade. Perdia o tempo, perdia a noite, perdia o mundo!

Perdendo de si
talvez em alguém
talvez, por que não?
Se pode raiar
se pode vazar
se conta faltar.
E se ele voltasse
E se ele faltasse

            E o mais importante: e se ele realmente se perdesse onde jamais deveria ter se perdido? Aquele fim incontestável de toda resposta que jamais deveria ter pergunta. E se? Cabia-lhe escorrer por si mesmo, procurando uma resposta estúpida. Afinal, ele era estúpido. Um babaca. Acreditava na palavra acima de tudo. Acreditava no amor, na beleza das coisas. Mas o mundo parecia ser cada vez mais quadrado.

Procurava o fim de tarde
No raiar do mesmo dia
Sem saber da meia noite
Sem saber do meio dia

            Sobraram-lhe as palavras. Mas e agora? Só tinha as palavras e nada mais. Nada! Ninguém cria, ninguém deixava de crer, ninguém conseguia explicar o intangível. E que se fodam as palavras escolhidas, que se fodam as obrigações! Merda de mundo! Merda! Aquele monte de merda com o qual o povo enchia diariamente a privada.

Digo com pesar
e antes com pendor
que o mundo virou
um enorme caco
de vidro malchil

Os olhos
os olhos
os olhos
os olhos
os olhos
os olhos
solhosolhosolshosolhosols

que ele não podia esquecer jamais.
Não poderia esquecer.
Os olhos.
Os olhos eram cicatrizes profundas em sua mente. Uma praga da berne devorando a carne ao longo da vida. Não restava mais nada. A vida fora muito mais impactante do que realmente poderia ser possível crer. Um raio atômico de crianças defeituosas corria pela praia num domingo.

A praga
A vala
A bala bela bola

            Ele continuava a sentir falta. Isolara-se. Malfadara-se. Consciente de seu destino, seguia adiante. Decifra-me ou te devoro.

Devoro-te sempre
Devoro-te dia
Devoro-te nunca

Favor deixar os seus pertence na porta de metal
antes de entrar no recinto
o mau hálito pode ser vencido
procure um odontologista
Obrigado

Caio Mello
04/07/2012

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